sexta-feira, novembro 30, 2007

Dedicatória II


Para JS
Da ~CC~

Dedicatória I


Para Cristina GS.
Da ~CC~

Os sabores do amor

Alguns homens andam uma vida para aprender a dizer amo-te. Não que a palavra em si seja importante. Contudo, a luz que bate nos os olhos quando o dizem, o tom de voz que acompanha a expressão, a cadência de cada sílaba, o modo como o corpo se posiciona no espaço, o lugar onde pousam as mãos...isso faz toda a diferença.

Resumindo: que a palavra saiba a manga é essencial. Manga original, as mais maravilhosas são as da Província do Cabo. Todos os meus dias deviam começar a ouvir dizer amo-te e isso ter o sabor das mangas pequeninas-rosa-doces de Cabo Delgado (Moçambique). Em qualquer lugar do mundo, esse seria o meu sabor.

~CC~
Nota: Infelizmente os meus colegas (uma missão quase integravelmente masculina) deixaram um saco cheio de mangas do Cabo no aeroporto em Maputo e não trouxe nenhuma comigo, nem sequer para a CGS que as queria tanto. Agora tenho esperança que quem as encontrou, saiba que o objectivo era que aprendesse a dizer amo-te com o sabor daquelas mangas.

quinta-feira, novembro 29, 2007

Abrigo(s)

Ilha do Ibo, Moçambique, Novembro 2007


Primeiro vi-os, tantas eram as cores e tão luminosas que os segui pelo vento quente da tarde.
Diante do olhar, o deslubramento por uma só árvore poder abrigar tantos ninhos.
Quisera eu ser ela e poder guardar tanta vida.
~CC~

quarta-feira, novembro 28, 2007

A casa

A casa aumenta e encolhe de tal modo que não se sabe se é um palácio ou uma cabana de praia, se se é grande ou se se sufoca nela. E fala de mais ou cala-se num silêncio que ensurdece. Tanto tem cheiros intensos que só fugir dela até um lugar neutral sem apetite ou é inodora nas prateleiras da dispensa vazia e na preguiça que se acumula na vontade de dormir antes que a fome aperte. E as divisões ora estão lisas como uma terra sem flores ora se enchem de Primavera. A casa não é realmente nada, não obstante as janelas que dão para os castelos, são assim as casas novas, despidas do pó da memória. É no dia a dia que a história vai enchendo cada casa de uma alma única e as mais velhas tem inscritas nas paredes as mãos das crianças que ali se tornaram grandes. São essas inscrições que não têm preço.

Um lugar, cujas raízes enfiadas na terra, permitem ter sempre flores a crescer no quarto. Habitada pela infância, a porta grande de madeira verde que nunca estava trancada. Tenho uma casa a morar dentro de mim.
~CC~

Que fazer quando as professoras choram?!

Ela contou pacientemente o modo como a professora tinha agido injustamente e quanto isso tinha magoado as duas colegas, uma delas amiga com quem partilha tardes e, imagino eu, também segredos.


Ouvi-a dividida, como tantas vezes em que sendo parte de uma coisa era também parte de uma outra. Lembrei os anos na Associação de Pais, pedaços de fim de tarde e inicíos de noite a escutar o coração dos pais daqueles meninos ainda tão pequenos. Gosto de tudo o que não esqueço e vem ecoar na minha memória a encher cada dia mais. Aqueles tempos vivem tantas vezes na sombra da minha pele.


E disse-lhe: mas essa professora não deve estar bem.


E ela disse: sim, viram-na a chorar antes da aula. De repente abriu-se uma janela que embora fosse ainda de revolta, era já uma outra coisa. Sim, o seu choro não pode transformar-se no choro das crianças que com ela partilham os seus dias, o seu desejo de aprender. Mas ainda assim, que fazer quando as professoras choram?!

~CC~

terça-feira, novembro 27, 2007

A marcha


Pemba, Moçambique, Novembro 2007

São tão longos os caminhos desta marcha. Sem transporte colectivo ou privado, os homens, as mulheres, as crianças caminham pela noite dentro para ver amanhecer o dia na entrada do mercado. E nem sempre a carga tem a leveza desta palhinha.
~CC~

segunda-feira, novembro 26, 2007

O rosto da obra dele

Tinha já o rosto de velho quando saltei das palavras dos seus livros para a observação das suas rugas. Com José Gomes Ferreira aprendi que as cidades podem caber nos poemas feitas eléctricos amarelos a subir colinas e os passeios das ruas de Lisboa podem ser adornados por musas de olhos negros e cabelos despenteados. Cruzava-me no metro com ele e espiava-o silenciosamente na festa do Avante no tempo que que conseguia lá ir e ele passava lá todo o tempo em que ela durava. A homenagem que lhe fiz na crónica deste mês é pequena perante o valor da sua obra, mas o João sem medo ficou até hoje a morar na minha casa.

~CC~

domingo, novembro 25, 2007

Em pós

Sempre acreditei em magia, sobretudo quando ela é um com que se pode encher os dias.

~CC~

Para sempre em mim

Para sempre em mim o sol a nascer no meio da estrada de terra batida ao longo da qual a lente deveria mostrar os olhos que por mais de cem quilómetros estiveram quase sempre a meio caminho das lágrimas.

Sal líquido por causa da beleza, se é que a beleza nos pode fazer chorar. Sal líquido por causa do deslumbramento que é o mundo se poder mostrar diante dos nossos olhos como nunca o sonhamos poder ver. E sal, muito sal, pelo confronto, pela dureza, pelos acenos que por todo o lado nos faziam ao passar. E dentro dos acenos, caras abertas num sorriso que não era possível de entender entre uma vida sem nada, sem quase nada.

Embora, se eu antes já não sabia bem o que é ter, agora ainda sei menos. Desta vez, o desejo de ficar foi forte. Afinal uma cabana sólida e tradicional, num bairro de colmo mas terra lavada e sorrisos doces, custa apenas 500 euros e há lá tanto que fazer. Às vezes acho que essa loucura era capaz de se apoderar de mim. Outras acho que o que trago dentro de mim é já suficiente. Ninguém esquece um nascer do sol assim, muito menos os sorrisos, os acenos.
~CC~
(ondas do mar recuperadas)

segunda-feira, novembro 19, 2007

Algumas palavras simples

Moçambique, primeira vez.

Desta baia, a transparencia de ver as conchas a caminharem para os meus dedos, as algas, os pequenos peixes
Dos olhos das mulheres, toda a doçura, toda a tristeza, um sorriso envergonhado.
Das crianças, o mar inteiro tornado o seu riso, a sua festa imensa.
Do trabalho, todas as dificuldades, algumas esperanças.
Dos caminhos pelas aldeias mais remotas que alguma vez vi, o espanto de se existir assim sem quase nada, os dias inteiros alimentados pelas mangas.
Os dias entre a felicidade desta beleza de cortar a repiraçao e a tristeza da miseria estar ao lado.

E ainda...

Um teclado ingles que nao me deixa por os acentos. E mais grave, nao deixa por as ondas do mar!

CC

sexta-feira, novembro 09, 2007

Nos olhos escuros os teus olhos claros

Nas ruas de Benguela, Setembro, 2007


Mergulho nos olhos escuros destas meninas com as quais me irei cruzar. E vejo-as na sua infância tão diferente da tua. Mas em cada olhar cruzado são também os teus olhos castanhos, tão meigos e tão iluminados pelo sol que lembrarei.

Prometo que não demoro.


E comigo vão já as saudades.



~CC~


PS- Em Benguela o acesso à Net era difícil, quase impossível. Sei que em Moçambique é um pouco melhor, mas ainda assim não é provável que consiga escrever de lá. A quem lê e a quem risca a ardósia azul, deixo um beijo e um até já.





quinta-feira, novembro 08, 2007

Há mesmo quem guarde os rios

Há muito que desconfiava que a verdadeira profissão dele era Guarda-rios, ou não fosse ele escritor.

~CC~

Guarda-rios e estuários (III)


Eu fui uma criança Almar.
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Passava horas a ver as formigas desenharem os seus carreiros e alimentava-as com as migalhas do meu pão com marmelada.
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Eu tinha as minhas mãos sempre sujas das tintas com que as mulheres tingiam os tecidos e com os restos delas pintava os troncos das árvores. Sonhava com uma floresta de árvores pintadas.
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Eu acreditava que todas as coisas tinham uma alma e podiam falar comigo e achava que o seu silêncio era apenas porque deveria saber esperar os seus sinais. E falava-lhes, eu falava-lhes sempre.
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Eu sabia que as bonecas de pano só se podiam casar uma vez por mês porque a festa delas era de folhas e flores e eu não devia arrancá-las com frequência.
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Eu era uma criança cheia de coisas que viviam na minha imensa solidão.
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Eu fui uma criança Almar feita de muitos momentos felizes e algumas dores. Eu tenho em mim todos os cheiros e sabores da minha infância Almar.

quarta-feira, novembro 07, 2007

Seguir este homem

Deve ter sido por volta dos catorze anos que jurei a mim mesma não seguir nenhum homem.

Alguns gostam de ser perseguidos, seguidos e cortejados ou até mesmo embalados porque o colo da mãe é aquela recordação que têm do amor e não construíram outra. Simetria é o encontro, assim ir ter contigo, vires ter comigo, reciprocidade no querer, equivalência no desejar, padrão sem geometria mas geométrico. E geográfico, porque alimentado de muitas viagens, daquelas em que vamos e das outras em que só ficamos.

Mas todas as juras devem ter excepções para serem a sério. É por isso que sigo com atenção este homem. E garanto-vos que vale a pena. Imaginem um documentário sem palavras e só com música, tocada ao vido. De quando em quando pequenas frases que aparecem e desaparecem no écran, quase pequenos poemas. E as cores a mudar no ritmo da história contada. Portugueses, este retrato visual e sonoro ilumina com muita luz o passado recente e projecta o nosso olhar mais além.


Vou segui-lo.

~CC~

912g

912g é agora o peso que tem a esperança. Pode parecer pouco, mas não se pensarmos que há um mês atrás pesava só 670g. Cresce meu amor, cresce.
~CC~

terça-feira, novembro 06, 2007

Ao lado da dor

Sim, é verdade que morei muitas vezes ao lado da dor nesta passagem recente pela África em que nasci. Mas houve momentos em que a emoção sentida viajou sem lhe conseguir dar o nome que mora entre a tristeza e a alegria.

Procurei várias vezes pelas ruas este milho assado até o encontrar aqui, entre estas mulheres e estas crianças. É tudo muito caro lá, até para nós, mas estas maçarocas custavam uma bagatela, no entanto andavámos sempre com pouco dinheiro e sei que a jovem professora angolana que ia connosco nesse dia também não tinha muito. Ela contou as moedas para nos oferecer as duas maçarocas e não comprou nenhuma para ela. Como quase sempre nestas situações, embora a vontade fosse grande, esboçámos uma recusa da oferta, sabendo que não o podíamos fazer e muito menos oferecer-lhe a maçaroca que faltava para ela. E já estavámos de partida quando a mulher mais velha nos chamou e disse: esta é de oferta para si. E assim caminhámos as três pelas ruas estalando o milho quente na boca.


Escusado dizer que é desta venda que eles sobrevivem, contudo, sabem ainda dar.


É também por isso que volto.
~CC~

segunda-feira, novembro 05, 2007

Vontades

Uma delas está pensar ir dormir e a outra está a pensar que esta noite deveria permancer acordada.


A que dorme vai a caminho de abraços quentes, canções de embalar e açordas alentejanas. Vai para respirar o cheiro de peles amadas ou tão só inspirar a recordação que delas permanece, como a cheiro do seu bébé de colo. Vai para para saborear o Jasmim dos quintais, mais activo quando anoitece e para apanhar as estrelas com a rede de pesca de brincar que encheu todas as infâncias.


A que está acordada não deixa nunca parar as mãos, há uma energia que é preciso colocar na obra que começou ao nascer. Desdobra mapas e planos, abre livros e livros, rascunha mais e mais notas em cadernos, sempre em cadernos sem linhas. Sabemos que nunca chegará ao fim dos sonhos, resta saber se aguentará o cansaço dos caminhos. Ainda mais quando dentro da história a que chama sua, os caminhos já acabaram abruptamente e foi necessário começar sem nenhuma pedra e nenhuma pista. Os bichos sem habitat morrem, esta mulher não pode, ainda não pode.


Será na luta das vontades que a identidade se forja como o metal e como o barro?
~CC~

domingo, novembro 04, 2007

Os olhos do amor (I)

Há muito que ele queria ser um homem bonito. Ainda que mesmo sem beleza ele tenha tido muitas mulheres que o amaram. Os olhos dele não tinham, contudo, o brilho de quem ama com o coração generoso e inteiro. Por isso de nada lhe serviam as camisas, mesmo as mais bonitas como a cor de rosa e a cor de vinho. Eram as palavras da entrega que lhe iriam trazer a luz ao olhar. E nessa aprendizagem das palavras do amor, já se notava que o negro dos olhos era agora noite feita de estrelas. Bonito de ver.
~CC~

rapazes tristes

Poderia ser André aquela criança que morava na casa ao meu lado. Não obstante o seu ar grave e sério, fomos amigos anos a fio, espreitando a presença um do outro pelo muro que separava os nossos quintais. Era uma criança que raramente se ria e não manifestava por mim nenhum afecto, não obstante ser o primeiro rapaz com quem brinquei aos médicos. Não sei se ele foi a primeira das desilusões amorosas mas foi certamentente o mistério primeiro da infelicidade. E eu achava que uma das missões que me estava secretamente confiada era a de o fazer rir.

Às vezes este André que não é André regressa até mim das formas mais estranhas. Esteve presente esta semana numa reunião de professores do Ensino Básico em que estive, era o nome mais pronunciado por todos eles. Com apenas 13 anos já estava marcado para o insucesso, nada nele parecia aproveitar-se, se desaparecesse seria para todos um alívio. Não era só infeliz, causava infelicidade. E um nome pode repetir-se assim até à exaustão por todos sem que ninguém se levante para dele se dizer uma coisa boa ou acenar qualquer esperança. Penso que se ele desaparecesse com a sua família para lado nenhum, nenhum daqueles adultos perguntaria por ele. Resta-me pensar que tem uma vizinha que o espreita, achando que nos seus olhos escuros reside um segredo maior, que pensa que o pode fazer feliz.
~CC~

sábado, novembro 03, 2007

Os olhos do amor


Ela foi junto do mar e trouxe as ondas para enfeitar os seus cabelos que agora descem longos e ondulados quase até à sua cintura. Ela foi junto do céu e trouxe azul para pintar os seus olhos negros que agora se tornaram mesclados. Ela foi junto à terra e encostou a ela a sua face e agora está morena como se ainda fosse Verão. E agora ela brilha nos olhos dele e o modo como se riem um no outro parece rasgar no futuro a vida do filho deles que está ali deitado na caixa de vidro, tão pequeno e tão frágil. Por vezes parece que a vida nos diz que existe amanhã.

~CC~

quinta-feira, novembro 01, 2007

A dúvida

Vejo-o na sua solidão nocturna, agora que as noites chegam cada vez mais cedo. Vejo que me quer nessas noites e que eu não posso ir. E penso muitas vezes que quando eu puder ir, ele já não quererá. E que se ele continuar a querer, eu não sei se quererei ainda. É melhor ir hoje, parece-me que ambos queremos.
~CC~