domingo, setembro 08, 2013

Lírio roxo





Lília sempre ouvira dizer que o seu nome tinha parentesco com uma flor. Crescendo no meio das vinhas e dos meloais ela não sabia quase nada sobre fragrâncias, apenas se lembrava de enjoar a cada Outono com o cheiro estonteante do mosto. Era apenas mais uma rapariga a crescer num lugar onde a partir dos doze anos os homens começavam a olhar para elas, rindo e comentando entre si. Lília fugia de tudo e encostava-se a um canto do baile para se tornar invisível. Doiam-lhe todas as partes do corpo que estavam a crescer de forma desordenada e incómoda. Como todas as moças que crescem sem ser as mais lindas da rua, o seu sofrimento era proporcional à ignorância que lhe votava o moço mais galante da vila, o mais belo, o melhor dançarino, o mais desejado. 

Lília espreitava-o temerosa de que ele a notasse, encantada pelo brilho daqueles olhos tão tremendamente negros e brilhantes. Ele mudava de parceira em parceira, dançando com todas um bocadinho, a fim de se manter intensamente adorado. Não se lhe conhecia namorada, a todas dizia que era cedo demais e que ainda estava à procura da sua bela. 

Também chegou a vez dela mas ela não quis dançar. Então ele convidou-a para um passeio à luz de uma noite escura, sem lua. E ela foi. Nunca se arrependeu de ter ido mesmo depois dele nunca mais a ter olhado, nunca mais lhe ter dirigido a palavra. O desgosto foi uma coisa calada, chorada para dentro. 

Depois daquela noite em que ela se deixou morrer corroída pelo veneno que tirou da adega do pai, muita coisa se disse. Poucas coisas certas provavelmente. O que chegou como uma certeza até hoje foi que ela saiu para a rua para a morrer, vomitando as entranhas no empedrado. Mas o seu vómito era roxo e não tinha mau cheiro, parecia até exalar um odor a flor. Se calhar esperava uma menina, quem sabe teria brilhantes olhos negros.

~CC~

PS. Homenagem primeira aos jantares da tua terra, junto dos teus pais. Contam-se contos, eu acrescento os pontos :)