segunda-feira, janeiro 30, 2012

Da saudade (II)

Daquele tempo longo a estudar em cafés com um caderninho ao lado dos livros para rabiscar palavras poéticas soltas, acreditando que elas eram um caminho importante entre mim e os outros, ou chegariam mesmo a um potencial público.

~CC~

quinta-feira, janeiro 26, 2012

Conversas inquientantes (IV)

Lisboa, Dezembro 2011


~CC~

terça-feira, janeiro 24, 2012

Estrela (III)

Madalena deitada na água num Domingo de Agosto, fechou os olhos por um momento, sorvendo a vertigem do azul para dentro de si. Quando os abriu, o barco estava muito perto e ela mal conseguia ver quem o levava. Mas ouviu a voz dele: sou eu, o pescador de sereias.


Madalena nadou o mais rapidamente que conseguia para fugir daquela voz de homem, uma voz forte e ao mesmo tempo doce. Madalena nadava muito bem, era mesmo o que ela sabia fazer melhor, superava mesmo o jeito para arranjar as flores nas jarras da Igreja.


Nos dias seguintes ouviu um sem número de vezes essa voz rasgar o seu silêncio. Pensou ir ao médico e dizer-lhe que estava a ouvir vozes, mas pensou manter por mais tempo intíma a sua loucura.


E foi nadar no Domingo seguinte.


~CC~

quinta-feira, janeiro 19, 2012

Da saudade (I)

Atravessar um campo de milho no Verão, não lhe saber o fim.

~CC~

quarta-feira, janeiro 18, 2012

Conversas inquietantes (III)

Na escola x

Mãe cigana: O meu filho tem 16 anos e queria que ele viesse para cá para o 5º ano.
Funcionária: Não há vagas.
Mãe cigana: Ele também pode ir para o 4º ano...
Funcionária: Vou ali perguntar à Direcção...
Funcionária (um minuto depois): Não, também não há vagas, não as temos em ano nenhum.
Mãe cigana: não há aqui, não há na outra escola, não há...não querem! E por causa disso perdemos o rendimento social de inserção...sabia minha senhora, sabia que nos tiram?
Funcionária: Pois, não posso fazer nada, aqui não há vagas.

~CC~

segunda-feira, janeiro 16, 2012

Estrela (II)

Os Domingos de Agosto são os mais difíceis para Madalena. A aldeia agrupa-se aos molhinhos em torno de uma açorda, de um pernil de porco, de uma galinha de cabidela. Madalena enjoa todas as carnes. Mortos os pais, sem irmãos, sobram-lhe tantos primos de segunda que a convidam à vez, numa espécie de combinação atroz. Só uma sopa de cardos, por favor, diz Madalena de cada vez que aceita um convite.



Às vezes ela é corajosa e não aceita, vai logo pela manhã nadar nua no mar. Pela fresca não há turistas, não há meninos, não há pescadores. Ninguém é afinal tão livre e tão feliz como ela quando sai da água com a pele salgada. Madalena, faltando à missa de Domingo, aos almoços em família, Madalena fugindo aasim pelas manhãs é uma menina de vinte anos, nem uma ruga em torno dos poços azuis que são os seus olhos.



Nesses dias em que ela anda fugida do mundo é que a comentam como nunca nos almoços fartos, depois de bebido muito vinho. As crianças dizem que é uma fada, as mulheres que é uma bruxa, os homens que é uma virgem enlouquecida. Quantas palavras a ouviram dizer pela vida toda? E disputam entre eles: eu só a ouvi dizer bom dia, eu só a ouvi dizer obrigada, eu só a ouvi dizer com licença...E os meninos, eles que sabem tudo, dizem: vocês não sabem que ela é a mulher de Jesus?




~CC~




domingo, janeiro 15, 2012

Estrela (I)

Madalena sabia que tinha sido a mulher proscrita de Jesus, a que a história encerrara na categoria de prostituta. Outras versões líricas diziam outras coisas dela. Ela registara simplesmente que era uma mulher que não podia ser amada.


Madalena, tinha dito o padre em tom doce, desde que ela era menina, o teu nome é pertença da igreja, como tu. E Madalena, nascida na aldeia da Estrela, tinha aceite ser a mulher sozinha da aldeia. Era ela que cuidava dos velhos e os vestia bonitos para o enterro. Era ela que ensinava catequese às crianças. Era ela que enfeitava a igreja com flores e a abria para a mostrar aos visitantes. Não era Madalena, contudo, uma beata devota como as outras. No fundo dos seus olhos azuis havia um lago vazio onde ela nadava até se cansar nas tardes de Domingo. Madalena, onde vais, diziam as crianças? Onde vais Madalena se é tarde de Domingo, de estar em casa, de dormir a sesta, de ligar a TV e nada fazer? Vou andar, andar...e Madalena apanhava a estrada de terra do campo porque as ruas da Aldeia já não lhe cansavam o corpo e o ar fedia de velho e cansado. Vou andar entre as silvas, vou descalçar-me nas ervas, vou esconder-me na sombra.


Madalena, o teu nome consta de todas as bíblias de todos os tempos. Ela sabia que era prisioneira do seu nome, prisoneira do seu corpo virgem, do seu destino falhado.


Ela tirava lá longe no meio do mar o fato de banho e nadava nua, não ela não era inteiramente prisioneira, tinha umas asas que abria nas tardes de Domingo, quando todos dormiam e não davam por ela.

E foi assim que aconteceu. Aldeia da Estrela, quando o século se dobrou para nascer outro, Madalena também nasceu outra vez.


(continua)


~CC~


quarta-feira, janeiro 11, 2012

Frases singulares (I)




" Fecham uma escola lá no interior...e sabe o que abre a seguir? Um posto da GNR".


(Senhor de cerca de 65/70 anos numa conferência sobre Educação, soube depois que é artesão e que procurou toda a vida salvar umas das principais oficinas de azulejo cá da terra)


~CC~

segunda-feira, janeiro 09, 2012

Conversas inquietantes (II)

Área de serviço de Aljustrel

Na bomba
- Onde está a caixa multibanco?
- Já não temos.
- E ali na cafetaria/restaurante?
- Também havia, mas já não sei se há.

Na cafetaria/restaurante

- Aqui também já não há caixa multibanco?
- Já não!
- Mas agora não existe nem aqui, nem na bomba?
- Assaltaram as duas!
- E então, a solução é deixar de as ter?
- Sim, minha senhora, ter uma caixa multibanco tornou-se um perigo.
- Mas até a minha escola tem uma...
- Minha senhora, tirem-na de lá quanto antes!

~CC~

domingo, janeiro 08, 2012

A estrada

Há dias em que detesto estes caminhos de ida e volta. É uma estrada tão grande entre ti e mim. Mas hoje vi a lua nascer grande e redonda, ao mesmo tempo que o céu se tingia em laranjas múltiplos. De repente tudo estava certo e era belo. E não havia distância nem estrada entre ti e mim. A lua redonda e grande era um beijo teu a acompanhar-me.


~CC~

terça-feira, janeiro 03, 2012

Escutas inquietantes (I)

No café


Rapariga de leste (bonita) - É demais para mim, ele conhece-me há um mês e já diz que me ama.

Rapariga portuguesa (bonita) - Aproveita agora... com o passar do tempo deixa de te dizer essas coisas e não voltas a ouvi-las.


~CC~

Chão (1)

Um chão para me agarrar à terra

Mantendo quente todo o desejo de voar.


~CC~