domingo, maio 31, 2009

A morte dos lugares


2009.Praia fluvial do Patacão (Concelho de Alpiarça).

Os lugares morrem silenciosamente, as vozes calando-se pouco a pouco, as ervas crescendo em seu redor, as osgas a percorrer livremente as paredes, o fumo das chaminés inexistente, as portas a ruir, as sombras a invadir tudo o que já foi vida.

Há na morte dos lugares uma tristeza sem fim, mas na sua decadência eles são de uma beleza poética, guardam um resto de luz. Se nos calarmos para os deixarmos falar, escutamos ainda as almas e o sangue de quem por lá passou. São lugares cheios de histórias que nunca foram contadas, mudos para o mundo.

Este é um lugar perdido junto ao Tejo, há muito tempo atrás, pescadores vindos da zona de Leiria construíram estas casas de madeira que pintaram de cores alegres, consta que o rio era nessa altura um mar de promessa de bom peixe. O leito do rio é agora consideravelmente menor, e à medida que ia diminuindo assim as casas se abandonavam uma a uma. Ainda se sente a vida por perto.

Ontem foi a vez de um outro lugar junto aos arrozais do Sado, só trouxe no olhar, mas voltarei lá para o fotografar. Outros sonham outras coisas, eu sonho com estes lugares, com a possibilidade de os voltar a pôr no mapa, fazendo falar as suas histórias, mas fazendo deles já uma outra coisa. Sonho com um passado recheado de futuro, se possível perto de grandes rios.
~CC~


quarta-feira, maio 27, 2009

Olhar

Esta impossibilidade de sabermos quanto vale um olhar é assustadora. Os olhos de Dias Loureiro parecem de cordeiro manso, alguém a quem confiaria uma carteira recheada. Os olhos de Sócrates anunciam um lince. Os olhos de Ferreira Leite parecem estar sempre num outro lugar. Os olhos de Paulo Portas são sem medo, enquanto os de Miguel parecem só querer fugir dali.

Os olhos da princesa Diana eram de um insuspeito azul, anunciavam dias de primavera e não tinham uma sombra da morte.

Dantes lia os olhos, adivinhava almas. Agora desisti de tal ofício, é de grande risco.
~CC~

segunda-feira, maio 25, 2009

A flor do morango



Vi o filme morangos silvestres de Bergman muito cedo, cedo demais para perceber a complexa teia de fantasmas que o habita. E miúda como era, lembro-me de pensar que nunca na vida tinha visto morangos silvestres e que tal planta devia afinal ser da mesma natureza que o sonho/pesadelo do filme. Era uma planta inventada, criada pelo realizador, uma variante dos morangos domésticos mas rebelde e indomável. Só depois descobri que os havia a sério.

O ano passado descobrimos que o canteiro da casa em que passavámos férias em S. Pedro do Sul estava cheio de morangos silvestres, selvagens. E em pleno Verão as bagas vermelhas pequeninas espreitavam pelo meio do emaranhado de folhas. Não tive coragem de os provar, consta que são azedos e por isso ninguém os apanha, ninguém os come. Trouxe um pé deles para minha casa, agradava-me a ideia de conviver com tal planta, mas como muitas outras que trazemos para casa apanhadas ao acaso pelo campo, elas definham e morrem neste ambiente quotidiano de apartamento. Não foi o caso deste morangueiro, depressa cresceu e se desenvolveu e teve de ser mudado mais que uma vez de vaso. Era um selvagem que gostava de luz e do mimo que eu lhe dava. Sinceramente não pensei que viesse a dar fruto. Mas hoje reparei que tinha uma pequena uma flor branca e amarela e depois vi melhor e havia mais, pelo menos quatro botões prontos a nascer.

Agrada-me esta ideia de trazer para casa o que é silvestre, o que é diferente, o que vem de lugares onde estive, e são coisas vivas, que ficam a fazer-me companhia sempre que esta casa se mostra demasiado vazia.

Acreditem, às vezes basta uma flor de morango.
~CC~

sexta-feira, maio 22, 2009

Mulheres da minha vida (II)

Tenho dentro de mim infinitas histórias de mulheres e estão sempre a falar comigo como se uma parte da minha vida fosse a delas também. São histórias de amor, mas o que é que não são histórias de amor. Estas duas mulheres eram bonitas, embora bem diferentes. Mas acrescentavam a essa beleza uma energia sem fim, uma vontade de saber mais, uma avidez pela descoberta do mundo. Ambas estudaram e se licenciaram e tiraram mestrados, foi aliás no final desse percurso académico que as conheci. Ambas amavam homens bonitos, morenos, de porte atlético e sorriso aberto. Eram deslumbradas por eles. Um deles era perito em usar as mãos para colocar qualquer máquina a trabalhar e o outro em usar as mãos para delas tirar notas de música pelos bares da cidade onde moravam. E elas valorizavam aqueles homens pelo que eles sabiam e eram. Mas eles não, não se sentiam bem por serem os homens daquelas mulheres bonitas e cultas.

Falo assim delas mas elas não se conheciam, não sabiam nem nunca saberão do paralelismo das suas histórias. E as histórias delas, descontando uma coisinha ou outra, são mesmo estas.


A primeira desconfiou do telemóvel a tocar constantemente, e não resitiu a espreitar as mensagens. Pasmei por a saber capaz de espreitar as mensagens do marido, o primeiro dos actos irreflectidos que cometeu. A seguir ligou para a mulher que ligava sempre ao marido dela e disse que a queria ver. E viu. E viu que ela não era bonita, nem culta, nem interessante aos olhos dela. E nunca mais se esqueceu do que ele lhe disse: ao menos com ela estou à vontade, nunca me sinto "de menos". O que será uma pessoa sentir-se "de menos" perante outra? Que medo tinha aquele homem?


A segunda saiu de casa com uma malinha e não voltou mais, farta do inferno que ele a fazia viver por se sentir sempre "de menos". Soube depois que ele tinha ido estudar e que não só se licenciara como tinha ido fazer um doutoramento em Música para Londres. Há portas que quando se fecham é mesmo porque vale a pena.

Elas continuaram bonitas e sábias e interessantes, mas ganharam uma espécie de desgosto, de desconsolo, de cepticismo. E isto ultrapassa em muito a dicotomia bonita/burra e feia/inteligente e a aposta dos homens numa ou na outra coisa. Agora é tudo muito mais complexo e difícil, no amor como em tudo o resto.
~CC~

quinta-feira, maio 21, 2009

Truques para dias infelizes



É simples, viajar à memória dos dias felizes. É aliás a única utilidade das fotografias domésticas, lembrar-nos que somos capazes de ser espantosamente felizes.
~CC~

quarta-feira, maio 20, 2009

Com pouca fé


Sou normalmente muito tolerante em relação às igrejas e à Igreja Católica em particular. É uma benevolência marcada pelo mistério da vida existir no meio desta galáxia perdida no meio de outras galáxias. Compreendo muito bem que este espanto leve as pessoas em busca de Deus. E depois há os rituais da fé, genuínos e belos se nascidos desse achar que o homem é coisa pequena e frágil. Dito isto, é preciso dizer que da igreja tenho apenas a curta experiência de uns meses na cataquese, passados a cantar, a fazer bolos e a passear pelas alamedas ajardinadas do seminário da Portela, com uma senhora a caminhar para a meia idade, que tomava conta de nós com o mesmo desvelo que qualquer tia faria.

Mas últimamente, e descontando Setúbal, prolífera em bispos proletários, teria me desiludido por completo, caso algum dia me tivesse iludido. O aproveitamente pela igreja desta crise que vivemos tem mostrado uma faceta caritativa que não me convence, a todo o momento é apregoada a bondade do ritual da oferta, mas não se lhes vê uma ideia que possa ajudar a vencer a pobreza. Quase acreditamos que, como no velho regime, bastaria a cada bom e abastado homem alimentar um conjunto de pobres, e tudo ficaria resolvido.

E não só se banalizam rituais antigos, fazendo de lugares de culto, santuários de cimento e betão armado (onde estão as azinheiras? era aí que a nossa senhora gostava de pousar...e isso sim era uma coisa poética) como se inventam outros de um ridículo atroz, santificando uma estátua (falo do Cristo Rei, pois...) que de santa nada tem.

Está chumbada esta Igreja Católica em tempo de crise, não resistir ao aproveitamento do que se passa para tirar dividendos e espalhar a fé, coloca-a ao nível de um partido político qualquer.

~CC~

PS- Que me desculpe a minha querida Madalena....

terça-feira, maio 19, 2009

Calor-cor


Queria uma casa cor de laranja com uma janela amarela e um tecto de caninhas.

Um lugar para ouvir ao longe o mar.

E beijos tão laranjas como a casa, beijos à minha espera, a saber a papaia.

~CC~

segunda-feira, maio 18, 2009

Mariposas e caracoles


Toda a minha vida sonhei com lugares que não conheci e vivi imersa nas saudades dos lugares que amei. Se fechar os olhos, consigo sentir na pele um tango e ouvir a voz de Borges, como se a música e o escritor tivessem crescido comigo e não a milhas de distância. A minha experiência passou apenas pelos pastéis de massa tenra que a minha mãe aprendeu a fazer maravilhosamente bem com uma vizinha argentina. E sim a Argentina é de todos eles o que mais me chama, mesmo se o puser ao lado do Brasil para onde em tempos fugiu metade da minha alma. E a neve mais romântica do mundo só pode ser a do Chile. O Espanhol da América Latina e o Português do Brasil já são línguas outras, são línguas redondas, cantadas, são ventos alados de mariposas. Metade daquele continente é paixão em estado puro. Por isso quanto morre um escritor da América Latina, o mundo empobrece em sonho e em luta, fica mais cru e mais real. Afinal, quem mais nos pode dar poemas como este?

Botella al mar

Pongo estes seis versos en mi botella al mar
con el secreto designio de que algún dia
llegue a una playa desierta
y un nino la encuentre y la destape
y en lugar de versos extraiga piedritas
y socorros y alertas y caracoles.

Mario Benedetti

~CC~

sexta-feira, maio 15, 2009

Paisagem interior

Crepúsculo no rio Tejo.
Segredos da luz enrolada na água.
~CC~

quinta-feira, maio 14, 2009

O meu nome é Vanessa (XVI)

- Diz-me, diz-me então como é que se tornaram verdes os teus olhos...
- Nesse ano aconteceram duas coisas terríveis na minha vida, o meu pai adoeceu gravemente e conheci um homem sol.
- Um homem sol? O que é isso Vanessa?
- Alguém que entra pela tua vida com a intensidade e brilho da luz, mas se te expuseres demais, é capaz de te queimar para sempre.
- E não é sempre assim a paixão?
- Não, não é. Agora não é. Vivo com um homem lua.
- Imagino-o então frio e distante como a lua.
- Não, as noites de luar não são belas?! Mas são serenamente belas e a luz da lua nunca te queima.
- Imagina que vais perder alguém que é teu pai, mas que não sabes se o amas, nunca soubeste. Tu sabes que é teu pai mas que não é um homem bom, que nunca o foi. Não tens memória de lhe ter dado um beijo, nem ele a ti. Lembras as ameaças, as saídas por muitos dias sem dar notícias, o dinheiro que nunca chegava. E agora está ali um velho perdido numa cama de hospital, esquecido do pai que foi, agarra-se a ti com força, quer os teus abraços. E os teus abraços não conseguem acontecer dentro de ti, tens tudo morto por dentro.
~CC~

quarta-feira, maio 13, 2009

Setúbal, por estes dias (II)

Com a polícia e a comunicação social enfiadas dentro do bairro, como se fosse possível vigiar uma população 24h por dia e como se ela precisasse de vigilância, começaram a arder os ecopontos em vários pontos da cidade. Pergunta a minha filha: mãe, porquê os ecopontos, o que é que têm a ver? Explico-lhe que é uma forma de manifestar desagrado, mas ela aceita com dificuldade e compreendo-a. Não sei se já viram um ecoponto ardido mas é desolador, derretido como manteiga e o lixo do seu interior espalhado pelos passeios, é bem a imagem de uma civilização cuja crise é bem maior que a financeira.
~CC~

terça-feira, maio 12, 2009

O meu nome é Vanessa (XVII)

Há quanto tempo não via a Vanessa, pensei mesmo que não voltaria a encontrá-la, não obstante sentir que havia entre nós algo fundamental: ela queria falar, eu queria escutar. Ela queria falar porque nunca tinha sido escutada sem qualquer compromisso, eu queria escutar porque me tinha treinado a fazê-lo por motivos profissionais e já quase não o sabia fazer sem ser por isso. Para mim era a capacidade de me relacionar com uma mulher que estava em jogo, estar com ela sem ter outro objectivo que não fosse o de a conhecer, de saber dela, de integrar a sua história na minha vida. Creio que já vos disse antes: a minha vida foi uma sucessão de amores impossíveis porque acho que os escolhi por serem assim, tinha medo de ter de os viver a sério.

Deixámos a sua história interrompida entre o seu quarto homem e quinto homem, nos seus 23 anos. Nenhum desses seus relacionamentos tinha sido luminoso, embora no segundo tivesse sido amada por um rapaz solitário e obssessivo. Ela nunca tinha amado, não havia nenhum registo de paixões adolescentes porque ela também não tivera propriamente adolescência e aos 16 já tinha provado do sexo o sabor mais amargo que há. Entre o abuso do tio, o abuso do chefe de secção da fábrica e do próprio marido, havia apenas o consentimento dos segundos face à força do primeiro. Se um corpo não amado é um corpo só, era assim o corpo da Vanessa, curvado precocemente sobre si mesmo, os dedos amarelados do fumo, os olhos da cor dos dedos.

Liguei-lhe para dizer que agora que a Primavera se esforçava por chegar, tinha saudades das nossas conversas na esplanada. E foi neste último dia que ela me perguntou a cor dos seus olhos e eu lhe disse que eram amarelos. E ela disse: mas já foram verdes, sabe? E eu imaginei-a ruiva de olhos verdes. E ela continuou: porque os olhos das mulheres que se apaixonam mudam de cor.

Imaginei então o verde das árvores a entrar dentro dos olhos amarelos da Vanessa.
~CC~

domingo, maio 10, 2009

Setúbal, por estes dias.

Há duas novas inscrições próximo da zona urbana de Setúbal onde moro. A primeira insulta os ciganos, a segunda tem a marca dos acontecimentos recentes. Detenho-me na segunda: Bela Vista em todo o lado, tocam num, tocam em todos. E é isto que é diferente em relação ao que já conhecemos, é a raiva e o descontentamento a avançarem pela cidade. E a necessidade de afirmar uma identidade de bairro, uma identidade em tom de ameaça.

Durante dois anos, através de um programa de voluntariado, integrei estudantes do ensino superior nas instituições de crianças e de jovens do bairro. Alguns nunca tinham estado num bairro com aquelas características, nem com pessoas cuja origem étnica ou de nacionalidade (quase sempre dos pais, quando não de avós) ainda marca os quotidianos, uma pertença cultural completamente transformada é certo, mais ainda assim presente. Para além do abanão interior que muitos deles tiveram pelo contacto com uma zona assim excluída e auto-excluída, não houve registo de nenhuma agressão ou roubo pessoal e houve histórias de pequenos sucessos, pequenos porque são assim em relação ao que sonhámos no início.

Houve medo sim, eu própria que saí de lá às vezes já noite cerrada o tive, mas é preciso dar a volta a esse medo, sem nos esquecermos dele. E não esqueço aquele dia em que deixei o carro aberto com uma mala e um computador dentro da bagageira e nada aconteceu. E lembro o lançamento do jornal "Vozes do Bairro" feito na minha escola e as reservas dos monitores em levarem até lá as crianças e jovens, mas correu tudo bem, mesmo muito bem. Estou convencida que não há mudança sem pontes com o exterior, sem circulação das pessoas do bairro para fora e dos de fora para dentro.

Durante esses dois anos houve sim assaltos constantes às instalações das instituições do bairro, algumas delas nascidas da vontade dos próprios habitantes e isso torna o bairro especialmente duro. Lembro-me de uma animadora que lá trabalhou mais de dez anos, ela considerava que aquele grupo com quem tentava partilhar a ideia de que se pode sair da miséria e construir uma vida diferente, estava a salvo. Até um fim de semana em que eles se dosorientaram e assaltaram uma bomba de gasolina. Ela nem queria acreditar que eram os jovens dela! A desorientação foi tanta que ela não aguentou e teve que sair do bairro, lavada em lágrimas interiores. Parece que tudo está preso com fios muito, muito frágeis. Parece que tudo que se constrói, a qualquer momento pode derrocar. Um miúdo frequenta uma instituição, parece amigo dos monitores, lancha lá, usa os computadores...mas um dia descobre-se que foi ele que forçou numa noite a porta e levou todos os computadores. É difícil perceber, mas é assim. Os alicerces interiores dos miúdos podem a qualquer momento ceder, é muita a pressão do vento.

Ao contrário de outros bairros sociais que deram à volta ao seu estigma, a Bela Vista nunca o conseguiu. E a maior parte das instituições cívicas do bairro, nomeadamente a polícia, vivem lá entricheiradas, não construíram laços com a população como já aconteceu em bairros semelhantes. Nunca vi policiamento a pé no bairro, por vezes passava um carro ou outro, mas sempre com os polícias lá dentro. E parece que já ninguém sabe bem o que fazer, pois já foi muito o dinheiro gasto em projectos e mais projectos.

A forma como este episódio é tratado, isto é, como um litígio entre a polícia e os jovens do bairro, em nada ajuda a perceber o que é fundamental, ou seja que os bairros sociais dos anos 60/70, especialmente os que foram criados numa zona periférica da cidade (como Chelas), numa arquitectura desfasada da população, sem pontes com a cidade (enfiaram as escolas lá dentro, impedindo os miúdos de circular para outras zonas da cidade), são autênticos motores de exclusão social. Dirão que são melhores que os antigos bairros de lata, pois são. Mas isso não é olhar para o futuro, mas para o passado, o que é dramático é não só se continuam a construir este tipo de bairros, como não se encontram soluções para os já construídos.
~CC~

sexta-feira, maio 08, 2009

Vento

Adivinha em que lugar do mundo o vento bate assim forte ?
(como se fosse às vezes o meu coração)
~CC~

quarta-feira, maio 06, 2009

Outras ondas

Já resta pouco da Costa da Caparica antiga, esse mar dos pobres que às portas das margem sul ou nos arredores de Lisboa, não tinham outras ondas que não aquelas do paredão cinzento e inóspito. Nunca fui frequentadora, embora tenha sido lá que encontrei um grande amor. Nesse tempo em que era jovem e amava mais a filosofia que a vida, não gostava por aí além de me despir e entrar pelo mar dentro, preferia enfrentar a brisa da tarde com um xaile preto sobre os ombros e infinitas viagens a passar por dentro de mim.

A costa está a mudar e não sei se é para melhor, porque está esteticamente tão melhor quanto está mais longe de servir o povo que lá vive. A costa é um lugar de pescadores, prostitutas, reformados pobres e muita droga, uma mistura explosiva de um grande mal estar, que apenas o sol sustenta em equilibrio precário. E há ainda um mar revolto e branco, capaz de tudo lavar por dentro.

Ontem apeteceu-me vestir também um fato de surfista, não para me equilibrar na prancha mas para ver os miúdos mais de perto. O surf, pelo preço dos fatos e das pranchas, é um desporto que sempre se aproximou das elites, não é também, ao contrário do que se pensa, fácil de dominar sem umas aulitas de iniciação. Os miúdos da Costa conhecem os surfistas como ninguém, mas a maior parte deles só os conhece a eles e ao desporto de longe, como acontecerá agora com os belos cafés de riscas de madeira que nasceram ao longo do paredão renovado.

Ver como eles cresciam e se tornavam diferentes à medida que vestiam os fatos e entravam com as pranchas mar dentro, é quase como ver os miúdos de rua a entrar um dia universidade dentro. Eles não esqueceram e eu também não, é que na vida destes miúdos são as pequenas luzes que os podem tirar do escuro ou como quem diz, é apenas apanhar uma boa onda. Uma onda boa que os possa levar para longe de tanta miséria. Falo-vos de um pequenos projecto é certo, mas não sei se poderemos esperar mais dos grandes.

~CC~

terça-feira, maio 05, 2009

Montes de gente...

T-O-M. Serra de Bornes, 2009


Se o tempo não me fugisse como areia entre as mãos, ficaria por aqui a contar as histórias, mesmo que ninguém as quisesse ler, acho que as contaria a mim mesmo, é aliás a maior parte das vezes o que faço. Conto-as para não me esquecer.


Um dos meus maiores prazeres é acordar num lugar que não conheço, e só isso me chegaria para explicar o desejo que tenho sempre de partir, de viajar, de descobrir. E se levava comigo uma vontade grande de lavar os olhos com os horizontes que se descobrem atrás de cada monte, o que trouxe de lá foi muito mais que isso. Eu sempre soube que gostava de pessoas, mesmo quando esse sabor é atravessado de algum amargo, mas estarei viva enquanto tiver este prazer da descoberta dos outros e ainda mais quando esses outros são tão diferentes de mim. Não esquecerei assim o modo como ela veio ao nosso encontro, nos levou a avistar o mar feito de terra, nos traçou caminhos pelas aldeias, nos abriu a porta de casa e nos apresentou o seu pai e a sua mãe. Era capaz de ficar ali muito tempo a saber como se cozinha cada um daqueles petiscos e se escolhem os melhores cogumelos, era capaz de ficar muito tempo a saber como é viver e trabalhar em terras remotas e frias, onde a vida pulsa tão dura e tão quente.


As pessoas contam as suas histórias e eu gosto de as ouvir, acho que é esse o princípio de tudo e também da escrita. Trago assim os olhos absurdamente cheios de montes de gente.


~CC~


domingo, maio 03, 2009

Viagens na minha terra

Bragança, Maio 2009
Nesta sala se decidia há muitos séculos os traçados melhores para os caminhos por onde passariam os cavalos e as carroças a caminho da feira.



Os rios, mesmo correndo certeiros pelas malhas dos paisagistas, são sempre lugares por onde o pensamento vai. É bom que habitem o coração das cidades, adornados por jardins cuidados.




Um modo criativo de dar vida a uma estação sem comboios.



Os meus silencios são os lugares das minhas viagens. Calo-me respirando das pedras, dos rios e dos montes, o ar de T-O-M.



PS- Daqui a pouco vou à tua aldeia, JVT. Beijos


~CC~