domingo, março 31, 2013

Uma canção para o seu regresso



Uma vida inteira viajando enquanto dormia em pleno Alentejo.
 
Laurinda estava muito perto da amiga quando ela desmaiou repentinamente, lembra-se como se fosse hoje. Atribuiu-se tudo ao calor excessivo daquele Verão, muito antes de chegar este tempo outro, nesse elas ainda trabalhavam com o capataz por perto, vigiando de perto os minutos em que se podiam ir aliviar ao campo ou beber uma pinga de água. É verdade que Jacinta nunca fora uma mulher muito forte, tinha amiúde afrontamentos, calores e desmaios. Fora ao médico ver do coração sem que se tivesse descoberto alguma coisa.
 
A diferença naquela tarde quente tinha sido esse desmaio sem fim, esses anos a envelhecer deitada numa cama, tal qual uma Bela Adormecida. Diziam que era uma comoção, um mal sem volta, uma doença sem nome. Jacinta tinha desmaiado junto à eira e se uns diziam que o mal tinha sido a queda, outros que esse mal vinha já de longe, tantas tinham sido as vezes que tinham tido que encobrir o seu mal estar.
 
Onde vivia na realidade Jacinta dormindo na sua caminha de flores em pleno Alentejo? O hospital tinha-a encaminhado para casa dos pais pois não podia fazer mais nada. Na sua casa branca, em plena vila, ela era já pertença da comunidade. Para os mais pequenos era a Bela Adormecida, para os mais velhos tinha tido um encantamento, para os adultos ocupados ela era apenas uma pobre coitada à espera de morrer. Tinham aprendido a alimentá-la, a lavá-la, a cuidar dela, a tê-la como se fosse uma santa num altar, um ícone. Laurinda ia vê-la e contar-lhe a sua vida pelo menos uma vez por semana. Enquanto ela dormia contara-lhe do casamento, dos filhos, das mortes que tinham vindo também habitar a sua vida, da tristeza daquele aborto que tivera que fazer no final do terceiro menino.
 
A amizade delas tinha durado assim uma vida, era sólida e forte. Por isso ninguém estranhou por ter sido junto de Laurinda que Jacinta acordou.  Na verdade era uma grande alegria o seu regresso antes de fazer cinquenta anos, sem qualquer maleita maior, apenas envelhecida desse longo sono. Nesse dia Laurinda, mal refeita da surpresa, tinha querido saber por onde andara Jacinta enquanto dormia. Jacinta não hesitou na resposta: eu venho da Ilha dos Vidros!
 
Ninguém percebeu onde seria essa ilha, certo é que a canção nasceu. E agora cantam-na as duas.
 
~CC~
 
 
 Nota 1. Jacinta (de blusa azul no vídeo), como poderão adivinhar, tem ainda esse olhar vindo de muito longe.
Nota 2. A história é obviamente fictícia e os nomes não são os delas.
 
 
 
 
 
 
 

Aqui de novo para contar histórias



Queridos amigos

Estarei aqui outra vez, apenas para contar pequenas (ou grandes) histórias. Mantenho aberta a minha Rua da Índia para as urgências do dizer quotidiano.

Tenho saudades da minha ardósia azul, parte tão grande de mim.

Volto por mim, volto por ti. Volto para mim.

~CC~