segunda-feira, dezembro 27, 2010

Um a sumir-se, outro a aparecer

Um desejo de ganhar asas percorre-me enquanto os olhos pasmam pelos aeroportos cheios de neve. É tão impossível ir, tão louco ir, é tão impensável. E enquanto a razão percorre o lado direito do meu corpo, o desejo percorre todo o lado esquerdo. Há muito que lutam um contra o outro. Esta festa do fim do ano é mais aterradora que o Natal. O Natal é inofensivo, é igual ao homem das barbas brancas que só parece aterrador ao longe, mas ao perto é um velhote simpatico. Nada no Natal me assusta, tudo nesta ideia de um novo ano me aterroriza. E isso não dizer que não adore viver.

Ganhar asas, ou ir pela estrada, sem destino. Estar noutro lugar, não conhecer nada, ter tudo por descobrir. A festa não existir, apenas uma paz mansa numa paisagem bela, marcada a água e a verde. Um hotel, uma cabana, uma tenda, não o meu quarto, não a minha cama. Uma cidade, uma vila, uma aldeia que não seja minha. Trazer comigo uma, duas, três pessoas. Essas pessoas que não querem ir, pessoas com pés de raízes e não com pés de vento. É dolorosa a diferença, por melhor que ela seja tantas vezes, outras é desencontro. Fazer o esforço de ficar, de estar, de sorrir. A felicidade quando se puxa por ela, acaba por aparecer, uma luzinha nos olhos de quem se gosta, por eles, para eles. Custou-me, mas aprendi a extrair a felicidade da felicidade dos outros. Não sempre claro. Às vezes quero uma felicidade só para mim.

Um ano inteiro a sumir-se pelo calendário, outro a aparecer. Tantos dias, tantas noites. Tantos sonhos e tantos pesadelos possíveis. Passar o ano, anda cá ajudar-me a varrer o medo, tive um pesadelo terrível ontem à noite, mais uma vez. Essa malvada da morte a aparecer. Anda cá chamar o lume, assobiar aos pássaros, afastar as bruxas, fazer arder os beijos, tornar o mundo um lugar habitável.
~CC~

PS. A todos os que passam, bom 2011, e façam os sonhos ter a vitória sobre os pesadelos.

quinta-feira, dezembro 23, 2010

Cheiro a canela

Uns gostam e outros detestam o Natal. Fico-me a meio, hesitante entre as coisas que destesto e as que gosto.

O pior é a propaganda da solidariedade, repetida até à exaustão como a cantilena dos pobres e desvalidos cuja existência só ganha contornos no Natal, o resto do ano eles são apenas sombras, podemos passar por elas como se nada fosse. Se quisesse contribuir para algum projecto em que verdadeiramente acreditasse (poucos, muito poucos) nunca o faria no Natal. Tenho o coração repentinamente frio, surdo a estes apelos.

O melhor é a desculpa que isto me dá para não fazer nada uns dias. Só temos que alinhar no receituário mais nobre, e esse é dos abraços de quem se gosta, bem polvilhados a canela. E tudo o que me cheira a canela me sabe bem.

Agarrem-se assim a quem puderem, e misturem bem beijos e canela, e ficarão a salvo do horror a que se assemelha tantas vezes esta quadra.
~CC~

terça-feira, dezembro 21, 2010

Manhã

Manhã de Dezembro, um arco-irís enorme no céu, e inteiro como já poucas coisas são.

~CC~

quinta-feira, dezembro 16, 2010

Baloiço, balanço...

Este foi o ano
em que morreu uma parte de mim
que ainda desconhecia
um pai acabado de chegar

Foi este em que por quase nada
te perdi no sufoco
de seres gato e eu lebre e eu cabra
no Agosto mais quente da memória

Este foi o ano
em que o quase foi sempre
a palavra ao pé da boca
trava-línguas amargo-doce

Quase arranjei um amigo
suave e sensível
uma noite de Verão que prometia estrelas
mas se escondia delas se fossem cadentes

Quase acabei uma tese
mas mastiguei-a demais
e está enroscada entre o coração pardo
e a garganta rouca

Este foi o ano
do seu crescimento maior
a minha roupa deixou de servir
e a dela é sempre pouca

Soube também dessa fatalidade
O mundo está em crise
e ela é bem maior que a minha
cujas sombras sucumbem na Primavera

Foi este em que quase fui feliz
mas nisso foi igual a tantos outros
um quase brilho sempre a fugir
e eu em mergulho atrás dele

E é cedo ainda
nem chegámos ao Natal
e eu já de volta das passas.
Deve ser essa explicaçao do quase.

~CC~

PS. Sabias que as estrelas cadentes são também conhecidas como “lágrimas de São Lourenço”?
(ver aqui)

quarta-feira, dezembro 15, 2010

O frio a sul

O frio congela as minhas mãos sobre o teclado. Penso nas consequências que isso terá nos textos que produzo. Pode ser que a consequência neles depositada seja a frieza -o uso dominante dos substantivos e a quase purga de adjectivos- um critério que a academia mais pura gosta de nos colocar como matriz. O frio no Sul é mais cortante, mais doloroso, não lhe conhecemos o rosto.

Haverá grandes pianistas clássicos a sul? Ou será que lhes faltou o rigor dos Invernos?
~CC~

segunda-feira, dezembro 13, 2010

As três vidas


Uma mulher e três vidas, só na última um sopro de amor. Marcada pelos maus olhados cunhados nos mistérios com que o mundo rural olha para a vida, o azar chega-lhe pelo nascimento. Será a única rapariga entre rapazes, e apesar de muito pequena, é forte como uma vara que o vento é incapaz de quebrar. A tudo resistirá e ainda fará fortuna.


É espantosa a forma como o Teatro Mosca conta a história dela, com elementos cenográficos simples mas eficazes, um conjunto de bocados de madeira que se articulam para fazer mesas, montes, casas, abrigos. Actores muito novos, muito bons. Uma actriz a registar, de uma segurança absoluta na contenção da dor, um rosto permeável, capaz de se deixar escrever a todas as emoções. Dizem que ganharam um prémio em França, fico a pensar como será mais difícil que o ganhem aqui.

De Sintra para Faro, da Mosca para o CAPA, fora dos roteiros onde a mundanidade se constrói em círculo. É como ir ao cineclube em vez de ir ao cinema do centro comercial. É respirar outro ar. Infelizmente são estes, os melhores, os menos conhecidos, que costuma tombar com as crises. As telenovelas essas continuam. O bairro alto também.


Mas há mais vidas, como com Lucie, um dia as pequenas coisas trinfurão, não por serem pequenas, mas por habitarem a singularidade do espectáculo fora do espectáculo.
~CC~

domingo, dezembro 12, 2010

Vitamina certa

Foi na semana passada que as consequências do seu quotidiano sem casacos compridos, blusões de penas e guarda chuvas, lhe valeu uma gripe forte, vivida bem perto de mim. A explicação dela, porém, era outra. Tratava-se da gripe do liceu, uma vez que lá praticamente todos a tinham. Fiquei esclarecida, e sendo uma gripe que afectava só os rapazes e raparigas do liceu, eu estava, pela idade e ausência do contexto, imune.

No entanto, há dias começou uma dor de garganta que se tornou cada vez mais aguda, e agora os espirros abundantes e um mal estar que me tira a vontade de quase tudo. Hesito entre a felicidade de afinal as minhas células possuirem a juventude suficiente para este contágio, ou a tristeza do espelho me devolver um simples nariz vermelho, lábios inchados e olhos mortiços.

A esperança reside nos teus limões possuirem a vitamina certa para fazer face a qualquer gripe, até à do liceu, não obstante a distância que medeia o teu quintal das ruas da minha cidade.
~CC~

sexta-feira, dezembro 10, 2010

Resistir, ainda crescer

Saíram manhã cedo em direcção ao bairro cigano, um Técnico de Serviço Social e um Educador Social, parte integrante de um agrupamento que dados os seus resultados desastrosos em termos de sucesso escolar, passou a ser um território educativo de intervenção prioritária(TEIP). A directora de turma tinha dado o primeiro alarme: a menina cigana de 12 anos que o ano passado já ameaçara desistir, estava a faltar outra vez. E foram recebidos de braços abertos pela comunidade que lhes explicou que a menina tinha passado a frequentar a escola da Igreja porque essa era dentro do bairro. E a informação à escola, perguntaram? E a legalidade da situação? E lá foram falar com o pastor. Antes disso, já tínhamos estado a conversar sobre os alunos ciganos que estão no Curso de Educação e Formação de Jardinagem, mas gostam é de música, e são bons. Algo está mal quando não os encaminhamos bem, porque é que a jardinagem terá mais saída profissional do que a música?

Falo pelas escolas onde ando, por aquelas com quem colaboro, por quem vou tecendo a admiração que nasce de muitos buracos negros, que sobrevive do desespero, e quantas vezes do meu próprio desespero. O que é diferente agora? O que é diferente do tempo em que eu andei na escola? Diferente é apenas isto: juntamo-nos, fazemos perguntas, não aceitamos o abandono, a desistência, o insucesso. E se sabemos que a escola não pode fazer tudo, pensamos sempre que pode fazer alguma coisa.

E são assim as escolas e os professores que contribuíram activamente para melhorar os resultados dos nossos alunos no PISA, não foram os ministros, nem os secretários de estado. É a mensagem, a força com que a mensagem nos entra no sangue e nos faz ter garra. E mesmo se por vezes desistimos, cansados, fartos, exaustos. Venham os arautos do ensino de elite dizer que eles agora não aprendem nada. Mas os testes não avaliam os saberes? Não têm a legitimidade do "teste internacional"? Não é a mesma entidade que antes nos colocava na cauda da Europa?

Emociono-me sempre que um professor não desiste, e é verdade, às vezes é só o que apetece.

~CC~
Nota: Tenho algumas reticências quanto aos resultados escolares medidos por testes como o PISA, caso eles sejam os únicos instrumentos para nos vermos. E por isso, relativizo-os de algum modo, mas não os anulo ou ponho totalmente de parte. Valem o que valem, e valem alguma coisa.

quarta-feira, dezembro 08, 2010

A melhor fuga

Fechar os olhos e ir pelos dedos da chuva, criando asas. Depressa estou nas termas de Budapeste, e despreende-se do vapor uma textura de baunilha e amoras. Mais um bocadinho de olhos fechados. Depressa chego à praça de Marraquexe, e despreende-se do ar o barulho dos vendedores de objectos, e de sonhos, e o ar quente traz areia vinda do deserto. Mais um bocadinho sem acordar. Estou na cidade do Cabo, e diante de mim o mar revolto do fim e do começo do mundo, peixes grandes e conchas que andam sozinhas no vento. E depois Buenos Aires, esse tango que jamais saberei dançar, mas que me ecoa na pele. E há ainda a esperança de em todos estes lugares estar um abraço teu.

Passei tempo demais escrevendo, frente a um computador, tenho a sensação que metade do meu tempo foi feito a tricotar palavras para ninguém. Por isso anotar roteiros é uma prática antiga de me fazer feliz. Qualquer dia vão vender isto como mais uma terapia.
~CC~

terça-feira, dezembro 07, 2010

A suster as marés

Tenho tudo a mais. Tenho a mais a ZON, com o seu conjunto de três equipamentos que avariam à vez, tenho a mais a água canalizada com os seus tubos PEC que debitam um cauldal mínimo, tenho a mais cartas registadas que não consigo ir levantar aos correios e trazem por certa problemas adicionais, tenho a mais o fisco que me escreve por carta e por e.mail seja porque motivo for, tenho a mais os jornais da semana que não consigo ler, e livros tão interessantes que deixo a meio.

Tenho tudo a mais numa casa pequena, numa pessoa pequena, numa vida com limite. E apesar de ter energia para fazer girar algumas ventoinhas, caso tivesse modo de a transformar em vento, não é suficiente, não chega para colocar tudo no lugar e a horas e bem feito.

E às vezes apetece-me fazer uma birra grande como os putos, cruzar os braços, e deixar o tempo passar enfiada num cobertor quente, deixar avançar todos os desastres. Outras vezes rio-me de tudo isto, e até de mim, do meu modo de andar a fazer barragens contra a força das marés. E descobri que consigo tomar banho com um alguidar de água, apenas um.
~CC~

domingo, dezembro 05, 2010

Livro do futuro

As pedras estão lá, e atrapalham o meu andar. Uso diferentes métodos para as ultrapassar. Contorno-as, pego-lhes com as mãos, sento-me nelas até se enterrarem na terra. Uso a energia dos beijos, a única verdadeiramente alternativa. Quando me faltam as forças faço desenhos no livro do futuro. Desenho com dedos sol até dormir.
~CC~

quinta-feira, dezembro 02, 2010

Ela e Ele



Ela veio revolucionar tudo com o seu ar matreiro de quem gosta não só de cozinhar mas também de comer. Conseguiu que os homens passassem a ver programas de culinária, não sei se verdadeiramente atentos às receitas, se presos ao charme da cozinheira. Também lhe acho piada. Parece que a acusam de ganhar milhões, está bem no centro do sistema, mas também já não sabemos bem o que é a margem e o que é o centro. Mas revolucionário e ousado é o chefe Chakal que há muito admirava, desde que fiquei presa à imagem dele a cozinhar com os miúdos dele, todos enfarinhados e bem dispostos. Atentem bem na imagem seguinte e tornemos a falar de charme.

Imagem retirada de: http://sic.sapo.pt/online/entretenimento/chakall-e-pulga

Bem mais ousado do que a Nigella, o Chakal tornou uma carripana uma cozinha ambulante movida a energia solar e deixou-se de lugares televisivos imaculados. Ele aí vai por essa estrada fora à procura dos produtores locais, e do que cada região tem de melhor, não para imitar as receitas antigas mas para as transformar com o toque de quem mistura antigo e moderno em banho-maria. Uma galinha cerejada na serra do Caldeirão é galinha com figos e amêndoas e uma tarte de maçã passa a ser de medronho. Para quem tem no sangue a nostalgia dos anos 60 mas sabe que a vida já não se coaduna com uma carrinha e meia dúzia de trapos em viagem permanente pelo mundo, o Chakal resgata-nos e arrebata-nos. O rapaz é lindo e fala com cães, aliás com uma cadelinha à qual chama pulga. Tem humor que se farta. Qual Nigella....


~CC~