terça-feira, dezembro 30, 2008

DOZE PASSAS para 2009

Doze desejos ordenados sem ordem

MUNDO

1.Término do conflito entre Hutus e Tutsis no Sudão. 2. Reconhecido eficazmente direito do povo palestiniano ao seu território. 3.Fim do império de Mugabe no Zimbabué. 4.Retirada das Tropas Ocidentais do Iraque. 5.Encerramento da prisão de Guatánano. 6. Início da decadência em direcção ao fim progressivo dos movimentos terroristas islâmicos e de outras formas de terrorismo existentes. 7.Aceitação pelos EUA protocolo de Quioto e do Tribunal Penal Internacional. 8. Passos de gigante para a Democracia em Cuba. 9. Pressão forte para término das oligarquias e ditaduras na África e na Ásia. 11. Denúncia clara das violações dos Direitos Humanos em todo o mundo, com forte ascendência das organizações não governamentais sérias.12. Organização de um seminário internacional promovido pela ONU para o progressivo entendimento e respeito entre religiões em todo o mundo, pela Paz.
(são só 12??? Ainda faltam coisas…)


EU

1.Amar muito e ser muito amada. 2. Poder estar perto da minha família e dos meus amigos e valer a pena alargar ainda o coração para caberem lá mais amigos. 3. Obter estabilidade profissional. 4. Acabar (ou quase) a minha tese de doutoramento. 5. Infirmar de vez todos os fantasmas relativos a questões de saúde. 6. Sentir-me bonita em pelo menos metade dos dias do ano. 7. Ir a Itália (Roma-Florença-Veneza) com o rapaz e as meninas no primeiro projecto férias de aventura colectiva. 8. Sentir-me melhor e mais valorizada no meu local de trabalho e, sobretudo, sentir-me realizada com o trabalho que faço com os estudantes. 9. Deparar com a Estação de Comboios ideal para o projecto da minha vida e escrever uma carta à CP para saber se a querem transformar. 10. Fazer mais sol nas casas que habitamos (melhorá-las, reconstruir ou ter uma nova). 11. Recomeçar uma actividade física regular que me dê prazer. 12. Escrever, continuar a apetecer-me escrever.

E BOM ANO A TODOS OS VISITANTES DA ARDÓSIA AZUL!

~CC~

domingo, dezembro 28, 2008

Tempo outro

Este é um tempo outro. Subitamente tudo parece tão distante, que só um pedaço de insónia numa das noites vem lembrar a existência em que cabe o trabalho e o quotidiano. Este é um tempo de estar num outro lugar que é também um lugar de morada, mesmo que não lhe chame ainda casa. Gosto de pensar que é um território, um abrigo, uma zona de encontro. Aqui é um sítio onde se chega à procura de afecto como se ele nos faltasse a cada dia que vivemos e só aqui se sentisse essa segurança básica. Estas pessoas a que chamamos famíia não nos vão faltar quando precisarmos, não nos faltam quando precisamos, este é talvez o único conceito de família que reconheço. É verdade que este conceito se alarga a uns quantos amigos, acho que nunca são muitos os que sentimos como se fossem sangue do nosso sangue, aqueles que o tempo nunca levou, ou que se alguma coisa forçou essa separação, voltaram depois desse tempo.

Não é um tempo de férias, aqui e ali espreitam as tarefas que viajaram na mala e no computador, mas espreitam amortecidas pelo torpor das filhoses que ainda sobraram, pelas novas músicas que chegaram embrulhadas com laços, pelo riso das crianças que ainda ficaram. Aqui e ali espreitam as notícias sempre envoltas em papel negro, mas a dor que carregam chega-me mais ténue à pele. E mesmo a chuva e o frio incomodam um pouco menos, como se não fossem senão parte do que resta da festa e da festa que ainda virá.

É tempo de levar as meninas ao cinema, de me deslumbrar com o sobrinho mais novo e de constantar uma vez mais como é interessante o mais velho. É tempo de beber chá de limão com mel como se fosse possível ele afastar todas as gripes, de comer nozes a meio da tarde, de fazer roupa velha com as sobras do bacalhau, de afastar pensamentos sobre desgraça que a balança vai acusar assim que Janeiro entrar.

É tempo de sesta depois do almoço por causa de uma noite mais mal dormida e de lá encontrar um calor bom que se abraça aos pés e depois nos aconchega todo o corpo, e de encontrar nesse aconchego uma paz que a todo o custo se quer fazer perdurar, se quer para sempre.
~CC~

terça-feira, dezembro 23, 2008

Apontamentos de família (III)

A- Não vais fumar I? Já estás a fumar outra vez?
I- Se eu não fumasse, já tinha morrido!

(A tem 12 anos e I quase cinquenta)

~CC~

Apontamentos de família (II)

T- Vais então buscar o F ao aeroporto?
C - Sim, eu vou.
T - E levas a mãe?
C- Não, é muito cedo, é melhor ela esperar por ele em casa.
T - Sim, é melhor. Assim tem tempo para se empiriquitar toda para o receber.

(A mãe tem 80 anos e o F é o filho que vem do Brasil)

domingo, dezembro 21, 2008

Apontamentos de família (I)


N-Os japoneses não sabem o que é roubar, nem usam a violência. As regras são inculcadas desde muito cedo e não respeitar esses valores é tão penoso socialmente que eles simplesmente cumprem.

A- Então, o que é que dá lá no Telejornal?

(N, 26 anos, a viver temporariamente no Japão)
(A, 12 anos, residente em Setúbal)

~CC~

sábado, dezembro 20, 2008

Manhãs de Inverno

Nas manhãs de Inverno em que o nosso corpo nu dorme junto de outro corpo nu, há um calor pele na pele que é ainda melhor que o ar quente verdadeiro. É assim que às vezes no Inverno se faz Verão.
~CC~

Para onde is?

Pais Natais sem rumo, é o que é. Mais ou menos como nós...
~CC~

quinta-feira, dezembro 18, 2008

A chegada dos rapazes

Começa hoje a chegada da família para o Natal. O primeiro rapaz chega do Japão onde encontrou o seu primeiro emprego. O segundo rapaz chega do Brasil onde vive desde a adolescência e onde já nasceram os filhos e o primeiro neto. O terceiro já cá está mas é como se chegasse pela primeira vez este Natal porque no outro pesava menos que um quilinho de acúçar e tentava sobreviver no serviço de neonatologia do Garcia da Orta.

As meninas, filhas das três manas, trocaram as voltas aos Natais com os pais e ficaram com as mães porque este ano os rapazes chegam de longe e temos connosco o rapaz pequenino. Há uma força sempre a juntar-nos e é nela que reside a alegria que tem cada Natal. O resto é infinitamente pouco importante, não obstante adorar filhoses.
~CC~

domingo, dezembro 14, 2008

Universo


Há coisas que me entusiasmam, mesmo com frio, chuva e a influenza a dominar-me.

~CC~

sexta-feira, dezembro 12, 2008

Ponte dos milagres (XII)

Ela disse-me que não queria o marido preso. E explicou: na minha aldeia perdoam as mulheres tontas, as que fazem pequenas loucuras. Sabem que queria muito um filho, e por isso compreendem que assombrada pelo desejo o tenha ido buscar a um hospital. Mas nunca compreenderiam que o meu marido o tivesse feito. E completou: Percebe Doutora?
Eu não percebia, eu antes não percebia. No curso de Direito só me falaram de leis, não das pessoas, nem de poesia.

Ele disse-me que era culpado mas eu não quero saber mais deste assunto. Estou aqui uns seis anos, porque nunca fiz nada disto e porque há muitas atenuantes para mulheres tontas que acreditam em milagres. Depois voltarei para o sol da minha aldeia. Que saudades tenho de figos, do cheiro do mar, das minhas mãos enrugadas pela água de lavar a roupa. E tenho saudades de ser tocada e agarrada, tenho muita saudade das mãos do meu marido.

Ela disse-me que eu só tinha que cuidar de tudo muito bem para quando ela voltasse. Nunca antes tinha feito tanta lida da casa, cansa como o trabalho na oficina. Quando os dias são grandes vou ver o mar como ela me pede e penso nela, penso muito no corpo dela e nos seus olhos. É estranho que só na sua ausência tomei consciência de como é bonita a minha mulher.
FIM
~CC~

quinta-feira, dezembro 11, 2008

Ponte dos milagres (XI)

Contei-lhe num dia frio de Novembro, com as mãos dela dentro das minhas, e dentro do peito um desejo enorme de morrer. Há dias que não desejamos acordar no dia seguinte, pensamos que podemos dormir durante o sono sem dar por nada, e que Deus virá erguer o nosso corpo já leve para nos levar com ele.

Fui eu meu amor, fui eu que raptei a menina do hospital. Sou eu meu amor quem tem que ocupar esse lugar onde estás, temos que trocar de posições. Tu, meu amor, é que tens que me trazer a broa e o queijo.

Os seus olhos de mel derramaram-se e o chão ficou cheio das suas lágrimas doces. Demorou uma eternidade para dizer uma palavra e quando a disse tive vontade maior ainda de morrer. Tudo nela era perdão e carinho e por isso a minha vergonha tornou-se ainda maior. Disse uma e duas vezes que tudo deveria ficar assim, que não devia dizer a minha verdade a mais ninguém. Colou nos meus lábios um manto de silêncio e pediu que fosse para sempre.

Que fazemos quando somos os culpados e os inocentes não querem trocar de lugar connosco? Como podemos matar esta culpa que nos nasce a cada manhã maior? Que amor redentor é este que nos acolhe em toda a nossa imperfeição?

A minha mulher encheu o chão com lágrimas de mel e eu bebi-as uma a uma e mesmo assim sinto-me azedo como um leite coalhado. Um milagre, precisava tanto de um milagre.
~CC~

quarta-feira, dezembro 10, 2008

Cantilena


Quando era pequena, mesmo vivendo na terra quente africana, entoava muitas vezes a linda falua que lá vem, lá vem...brincavámos na rua, juntando os miúdos em comboios enormes que depois se repartiam na passagem em que era preciso fazer a escolha entre duas pessoas, duas coisas, dois mundos...às vezes eram coisas tão triviais como duas frutas ou duas cores...

Pensava muito naquela cantilena e no seu significado profundamente dramático e triste que em nada nos afectava a brincadeira...passará, passará, mas algum ficará, se não for a mãe da frente é o filho lá de trás...e a mãe lá ia deixando os filhotes na passagem até ela própria lá ficar. Penso nesta cantilena em muitas ocasiões em que a perda é uma possibilidade na minha vida ou na vida dos outros, penso sempre nela quando vejo as pessoas se enfiarem numa barcaça para atravessarem um mar, sabendo o risco de vida que correm e como mais de metade não alcança a terra que deseja.

E ao mesmo tempo que destesto a inevitabilidade que a cantilena contém, aquela espécie de portagem fatal onde a mãe deixará de certeza pelo menos um dos filhos, acho que é uma boa metáfora para o risco que muitas das passagens da nossa vida comportam.

Sinto-me assim muitas vezes, a andar no arame a alguns metros do chão, de um lado a possibilidade de voar e, do outro, a possibilidade de cair. E mesmo sabendo o risco que corro, avanço. Felizmente o meu risco é consideravalmente menor do que aqueles que se enfiam nas barcaças, talvez por isso pense hoje tanto neles, no seu desespero e na sua coragem*.

~CC~
* E pensar que já lá vão 60 anos de Declaração dos Direitos Humanos!

terça-feira, dezembro 09, 2008

A obra

Há meses que eles vivem ao meu lado, trabalham de dia e de noite e não me deixam dormir. Conheço agora melhor que nunca o significado das cores dos capacetes e distingo o que faz cada uma delas. São por vezes tantos que parecem as minhas formigas africanas, outras vezes são tão poucos que parece que a obra será impossível de terminar com tamanha escassez.

Têm cores variadas, quase tanto como as nacionalidades. São quase todos homens, mas já houve mulheres na obra, parece que se foram com a aproximação do Inverno. Penso como aguentam o frio e a chuva pela noite fora, como se mantêm acordados, como é que se sustenta tanta dureza com um salário em regra tão baixo. No outro dia cheguei muito perto e pude ver os coletes com o logotipo da empresa de trabalho temporário.

Nunca tinha visto construir de raiz um tunel, passagens inferiores e superiores, pequenas pontes, casinhas várias. Nunca tinha visto a transformação do nada pela armação do ferro, da madeira, da terra, numa minúcia que corresponde a segundos, horas, meses de observação. Quando partirem eu já não serei a mesma, até porque terei dormido consideravalmente menos e, pior ainda, sonhado pouco. Talvez tenha aprendido coisas que não sei para que servem, é assim que os meus alunos as enunciam muitas: não sabemos para que serve aprender essas coisas...para que serve...

Poderia odiá-los porque há meses que não me deixam dormir. Estive várias vezes a um passo de terminar com isto, apresentando queixa em todos os lugares em que isso fosse possível. Mas no sábado passado entre o ruído das máquinas ouvia-se uma voz forte a cantar um fado por baixo da minha janela, era bela e cortava quente o frio matinal, e é por essas e outras que não os posso odiar, não consigo.
~CC~

quinta-feira, dezembro 04, 2008

Ponte dos milagres (X)


- Escute homem, tem que dizer que foi você que raptou a menina, tem que libertar a sua mulher da prisão!
- Não sei se aguento fazer isso, não é por ir preso, mas pela desilusão que lhe causarei.
- A verdade é mais importante, como é que pensa continuar a viver com ela com uma mentira dessas instalada entre vós?
- Dra, ela não tem antecedentes, vai sair daqui a uns três ou quatro anos e recomeçaremos a nossa vida como se nada disto tivesse acontecido.
- Não pode fazer isso, não é justo ela pagar pelo que você fez.
- Ela vai deixar de me amar e isso não é uma prisão por três ou quatro anos, é um abandono para toda a vida, ela vai deixar-me se souber o que eu fiz. Sempre acreditou que eu era um homem bom, sempre a dizer-me isso em cada abraço, em cada beijo...e agora eu sou capaz de roubar uma criança?!
- Homem, se o deixar, paciência. Pode ser que ela compreenda que o fez por amor, para a consolar.
- Não é assim Dra, se ela me deixar eu vou morrer mesmo estando vivo.

~CC~

quarta-feira, dezembro 03, 2008

Metade de mim

Ilha do Ibo, Novembro 2007

Não posso evitar a saudade. O frio e a chuva entram em mim sob a forma de tristeza. A minha pele, embora seja branca, mostra os sinais da revolta em forma de eczema. A minha energia está reduzida, vejo-lhe o nível insatisfatório, e embora me tente manter acordada, mal me reconheço.

A neve é bela sim, mas não é, jamais será minha. Eu podia ir agora com os pássaros em bando, poderia migrar em busca do sol.
~CC~

terça-feira, dezembro 02, 2008

Ponte dos milagres (IX)


Perguntei-lhe, em desespero, quem era o responsável pelo rapto da menina. E ele tapou o rosto com as mãos e ficou assim um bocado. Depois levantou-o, olhou-me nos olhos e disse: sou eu. Ao contrário de aceitar a verdade que ele me queria dar, não acreditei. Fui dizendo que tinha sido uma mulher e não um homem, uma mulher envolta em panos negros, uma mulher desesperada.

E ele foi dizendo que não tinha sido uma mulher mas um homem desesperado. Contou como tinha proposto a compra das vestes a uma mulher cigana no mercado, como tinha estudado por vários dias o hospital fingindo ser um electricista, como tinha visto por várias vezes o modo como o povo cigano impunha respeito nos hospitais. Contou da compra da peruca de cabelo preto comprido, dizendo que era para o Carnaval. Foi falando de como a ideia o tinha torturado desde aquele Inverno em que a mulher se tinha encostado a ele num beijo doce até à madrugada do dia de Primavera em que a tinha deixado na Ponte da Mizarela, de como a tinha deixado à espera de um milagre.

Contou como tinha escolhido o bebé, como o tinha segurado com muito cuidado e posto por baixo dos panos, segurando-o como se fosse uma barriga grande. Falou do medo que tinha sentido, bastava um choro e tudo se tinha descoberto. Mas o bebé não chorara, parecia até gostar do aconchego e só quando o pusera dentro do berço no carro ele tinha dado sinais de vida. E a sua mulher também não desconfiara de nada, aceitando dos seus braços a menina, sem uma pergunta ou sequer espanto. Tudo isto ele afirmou sem culpa, como se tivesse simplesmente cumprido um designío, como se a emoção que o alimentou e agora enforma a sua razão, o fizesse inocente.

Que fazer, o que deveria eu fazer com este homem?


~CC~

segunda-feira, dezembro 01, 2008

Calor na Igrejinha

As famílias têm datas marcadas num calendário privado, ao mesmo tempo que partilham algumas datas do calendário público. As famílias há muito deixaram de ser apenas aquelas que o sangue nos trouxe, acrescentámos tribos outras trazidas pelos trilhos que fomos marcando pelo mundo.

O mundo académico não é apenas um ninho de gente competitiva, ciosa dos seus saberes e dos lugares, não é apenas gente que gosta de se ouvir a sí própria sem pé que seja na realidade dos seres comuns. Há outra gente lá dentro, ou gente que está dentro e está fora, num saudável vai e vem. A escola de Lisboa, auto-intitulada desse modo, sem qualquer pendor centrista ou orgulho de capital (até porque só uma minoria é efectivamente de Lisboa) todos os anos se acolhe junto de uma lareira no frio alentejano da Igrejinha. Gostamos todos efectivamente de boa comida, música e dança e é o que fazemos com gosto e sem temores nem vergonhas. Aqui e ali espreitam os "doutoramentos" que fazemos e a preocupação que temos em ir até ao fim, mas as teses já estão longe de ser o nó que nos ata.

Já perdi tanta gente pelo caminho, acho que agora estou mais atenta, por mais que por vezes eu própria telefone e escreva pouco a estas pessoas. Não quero, contudo, deixar de as ver, porque sei hoje bem qual é o calor que nos serve para enfrentar o frio de todos os invernos que nos acontecem.
~CC~