sexta-feira, agosto 29, 2008

Bebe o leite meu passarinho...

Bebe o leite meu passarinho, bebe o leite sem parar. É esta uma das mais bonitas canções de embalar, da autoria do José Mário Branco. A verdade é que os 12 anos que me separam dela me fizeram esquecer metade da letra. As que me ocorrem para embalar acalmar e entreter o menino são ainda as mais tradicionais, que saem sem que dê sequer conta que permaneceram em mim todo este tempo. São vinte e cinco anos a separar o sobrinho mais novo que parecia saído em versão rapaz da história da menina dos caracóis loiros e dos três ursinhos deste pequeno rapaz, este em versão morena e sem hipótese de engano de género.

Quando olho agora para ele só consigo pensar que foi o bebé mais pequeno que alguma vez vi, com 25 semanas era do tamanho de uma mão e parecia completamente desprotegido na luz crua da incumbadora. Depois de dois meses de vida em caixas cada vez mais abertas, podemos enfim vê-lo infinitamente pequeno numa cama normal de hospital. Voltaria lá, contudo. E sempre em situação de emergência e de risco de vida. Em Cabo Verde, estive a um passo de voltar, numa altura em que tudo parecia perdido.

Nunca pensei que agora o levaria a ver o mar, a colocar os pés na relva, na areia molhada, na areia seca, a mostrar-lhe como o voo das gaivotas é diferente do dos aviões. Não pensei sequer que ele seria um habitante no meu quarto e que por sua causa o meu sono se tornaria ainda mais leve, da consistência das nuvens. Estes quinze dias são estes e mais as memórias de todas as crianças pequenas que viveram momentos significativos no meu colo, e sou eu mas sou outra, uma outra que já não julgava ter tão vivo este instinto de protecção. É verdade que a quase ausência dos meus dias de praia, as minhas escritas várias por fazer, as entrevistas por transcrever, os trabalhos cuja urgência me pesa, o namoro que se tornou difícil e até a casa que este ano praticamente não habitei, tudo isso me deixa angústia e até saudade. Estes não eram os dias que tinha planeado, mas o seu pedido de ajuda bateu mais fundo, impossível negar quando é o emprego de uma irmã que está em causa.

E depois há aquele sorriso que acorda as nossas manhãs com tanto encanto que tudo o resto se dilui e nos sentimos felizes por este bebé estar vivo e fazer parte das nossas vidas.

~CC~

domingo, agosto 24, 2008

flor para aniversário

Pela semelhança da flor com o modo ela é aos meus olhos, trouxe-a de S. Pedro do Sul para a deixar aqui hoje. Parabéns CristinaGS, abraço apertadinho.
~CC~

quarta-feira, agosto 20, 2008

Agosto rubro

Dantes o tempo parava em Agosto para que as forças com que enfrentamos o mundo se pudessem renovar. Era possível por uns dias pensar que a vida se resumia aos castelos e poças de água com que as crianças invadem as praias, aos pregões das bolas de berlim, às notícias parvas e insignificantes dos telejornais, capazes de abrir com um anúncio de uma abobóra gigante em Rio Maior ou com as festas de algum rei árabe instalado em Vilamoura.

Mas este Agosto está a acontecer sem inocência. Eu passo naquela rua onde hoje um homem foi morto num assalto, é já ali quase ao virar da esquina . Eu faço um número de vezes sem conta e a todas as horas do dia ou da noite aquela auto-estrada em que uma carrinha foi barrada e aberta com explosivos, eu frequentei com regularidade nos últimos tempos aquele hospital onde uma mãe em desespero deixou um bebé recém nascido (e cujo parto, que ironia, foi em casa). Este Agosto, o coração não teve quase direito a parar, a meio das férias, em pleno verde absorvente, abrimos o mapa para perceber onde era a Georgia. E hoje não pude deixar de recordar as últimas duas horas em que estive fechada num avião por causa de uma falha eléctrica e do que senti na altura relativamente ao fio da navalha que se instalou nos voos e nos aeroportos, há alguma coisa que não está bem e é urgente intervir. Nunca um avião deveria levantar sem a certeza de que os seus motores estão bem, não se trata do vento, da noite, da tempestade, do que é acidental e não pode ser controlado pelo homem. Triste tarde em Madrid.

Para gente que não faz da indiferença aos outros o seu modo de ser feliz, já não há já descanso. Estamos condenados a viver de olhos abertos, coração tremente e em aflição permanente.

Já não há Agostos inocentes, em que se pode fechar os olhos e deixar que a lua quente se instale em nós num assombro de beleza capaz de nos fazer esquecer tudo.
~CC~

segunda-feira, agosto 18, 2008

Agosto

De que tempo é feito este tempo outro que nos corta ao meio o ano? Nem todas as férias são durante Agosto mas Agosto é este mês de águas paradas em que tudo dentro de nós parece desejar evadir-se, é uma espécie de letargia umas vezes tão alegre que parece que nunca mais pararemos de nos deleitar com o sumo das melancias e com o sabor que o sal nos deixa na pele. Neste tempo que é de Agosto a Sul depois de ter sido de Agosto a Norte, é a felicidade de não estar só, de dentro da minha vida se alojarem tantas outras como num ninho, é o gosto por esse calor. E de outras é Agosto tecido de uma tristeza que nos vem cobrir como um manto sem razão forte, é um torpor feito de ausências sem nome e de desejos que nunca se satisfazem completamente. É de repente a tristeza de alguém que nos falta, de uma coisa que desejavámos ter ouvido do nosso amor, de uma vida que ainda assim podia ser outra.

E em Agosto os outros ganham o pleno dos dias, já não os vemos só no fim da tarde ou ao final de semana, eles estão lá o dia inteiro e não há fuga possível. E há aqui também toda a ambiguidade que costuma habitar os dias, sem encontro marcado e sem dias aos bocadinhos, conhecemos melhor os outros, eles mostram-se em toda a sua inteireza. E nessa inteireza volta a haver tanta coisa bonita, tantos acordares e anoiteceres iluminados por um sabor e por uma paz que o ano não nos deixa ter, tanta alegria nestes almoços ruidosos, nesta mesa a transbordar de gente ou em tempos a dois que parecem que são um luar a anunciar luz para sempre. Mas há também o resto, o modo como a intimidade gera por vezes a não escuta, o modo como se deixa entrar a lassidão nos compromissos que têm que ser colectivos para não pesarem mais a uns do que a outros, o modo como as rotinas entram dentro das férias para as tornar ainda rituais em que pesam preconceitos, rótulos e estatutos. O modo como a Educação dos homens, mesmo dos homens bons que se esforçam por respeitar as mulheres, se mostra ainda insuficiente para um mundo verdadeiramente de direitos iguais.


As férias são ainda um outro lado dos outros que se nos mostra e eu gosto de estar acordada a ver, tenho a vida sob observação permanente. E a mim própria também.
~CC~

sábado, agosto 16, 2008

Verde dissolvente

Verão 2008. S.Pedro do Sul

Respirar por dentro das árvores, isto também posso ser eu.
~CC~