quarta-feira, novembro 30, 2011

Contagem descrescente (I)

Sonhos regressivos face à ansiedade. Ontem respondia a um júri, mas era sobre a matéria de Matemática do Secundário. Hoje novamente o júri, o arguente era um moço louro estranhamente semelhante ao meu primeiro namorado, mas bastante mais prolixo. Freud explicaria, eu prefiro rir-me.


~CC~

terça-feira, novembro 29, 2011

Contagem decrescente

Os orientadores estão confiantes, resta-me assim confiar nos orientadores.

~CC~

domingo, novembro 27, 2011

Sublinhados nos dias (IV)

Discordo do título. O método não é perigoso. É verdade que o médico se apaixona pela doente e vice versa, como já aconteceu com outros médicos, professores e alunos, advogados e clientes...a proximidade gerada numa relação profissional é geradora de inúmeros casos de amor, uns de êxito e outros fracassados, quase sempre atravessados por muitos dilemas.


O método é fascinante, pela primeira vez alguém prescinde de químicos e usa a palavra, a livre associação, a metáfora. Mais, pela primeira vez o médico não cura o doente, é o doente que se cura a si próprio, tudo depende da capacidade e disponibilidade para a viagem. Jung vai mais longe que Freud nessa busca pela autodeterminação de quem se vê doente, e é simultaneamente o que mais erra, o que mais se fragiliza, o que mais duvida...mas, como diz, só alguém ferido pode compreender realmente outro ser ferido. Continuo a admirar a psicanálise, provavelmente o único método que não é perigoso.


Este sublinhado saiu longo, a condizer com os tratamentos analíticos, um dos seus mais proclamados defeitos.


~CC~



Nota: aliás o nome da peça de teatro que o filme se baseia é " The Talking cure"...do dramaturgo e argumentista inglês, nascido nos Açores, Christopher Hampton. É claro, quem nasceu homem das ilhas de bruma...






sábado, novembro 26, 2011

Este díficil colectivo (II)

- Professora, isso de cada um levar a sua loiça...usamos de plástico!
- Então mas não eram vocês que queriam fazer uma conferência sobre 2102 como ano internacional da energia e do planeta sustentável?
- Sim, mas é mais prático...eu não venho com um prato, um copo e um talher de casa?
- Então, pesa muito?
- Não dá jeito...

~CC~

quinta-feira, novembro 24, 2011

Sublinhados nos dias (III)

Geral, geral...é mesmo a desilusão, esse maldito mal, este Outono anda mais negro do que nunca. É preciso dar outros nomes às coisas.

~CC~

terça-feira, novembro 22, 2011

Este difícil colectivo (I)

- Professora, a turma tomou uma posição e não quer fazer o almoço colectivo tipo piquenique.
- Explique...
- Uns depois trazem coisas e outros não trazem...a folha para indicarmos o que trazíamos está vazia.
- Mas quem participa traz alguma coisa para partilhar...
- Estamos sem dinheiro...
- Então não vão comer?
- Sim, mas cada um traz a sua sandes ou vamos ao ...(abstenho-me de publicitar a coisa)
- Então e se você em vez de uma sandes trouxer um pão? Uma fruta...
- Um pão...e como só o pão?
- Só o pão? Não, outros trazem qualquer coisa para pôr no pão..
- Nã...eles não trazem.

~CC~

domingo, novembro 20, 2011

sublinhados nos dias (II)

Senti debaixo dos pés as folhas secas dos plátanos, com a ambivalência de quem se sente parte da matéria morta de um país, e ao mesmo tempo a asa de um voo de um país outro.

~CC~

sexta-feira, novembro 18, 2011

Singularidades masculinas (II)

O homem dos quatro cães pretos faz parte da paisagem da minha cidade. Nasceu já com sessenta anos, com aquele bigode, e com os quatro cães. Ele consegue percorrer com eles distâncias improváveis para qualquer pessoa, e por isso o encontro nos mais diversos sítios. Ele sozinho, outras vezes com a mulher magrinha pendurada no braço, outras com algum amigo que percorre com ele um pedaço do caminho. Esses amigos vão mudando, como se o apanhassem num ponto do percurso e o seguissem para depois virarem mais adiante.


Os quatro cães do homem são de uma raça perigosa e por isso ele leva-os numa trela de quatro, como se fossem ramos de uma mesma árvore. Os cães perigosos são imensamente pachorrentos, lentos, doces. Os quatro cães perigosos sentam-se muito quietos à porta dos cafés onde o homem toma um bagacinho, intimidam a entrada a quem não os conhece, por isso o homem tem amiúde problemas. Já vi quase a lutar com um dos meus vizinhos, batendo-se pelos cães como se fossem a sua dama, já o vi esconder-se (ele e os seus quatro) num segundo mal chamam a polícia, já o vi mudar estratégicamente o caminho para descruzar de outros cães.


Este homem não pode ter tido outra idade, nem feito mais nada na vida.


~CC~








quarta-feira, novembro 16, 2011

Sublinhados nos dias (I)


A inteligência brilha infitamente mais que o dinheiro. O seu sabor desfaz-se muito mais lentamente na boca e o seu calor é coisa que perdura.


~CC~

sábado, novembro 12, 2011

Singularidades masculinas (I)

Ele escolheu primeiro o ângulo do café onde podia vê-la dentro da loja. E ali esteve, o café a arrefecer na mesa, o corpo gelado, o olhar fixo. Mas ainda a via muito ao longe. Ele levantou-se e ficou em frente à montra da loja dela, disfarçando por breves momentos a sua fixação na rapariga com a análise das malas da estação. Mas ela não se mexia por trás do balcão, ignorando a sua presença. Ele colocou-se então bem no meio da porta da entrada, forçando quem queria entrar a contorná-lo. Era grande o rapaz, parecia um urso acossado, um bicho perdido. Não havia palavras, esta coreografia era vivida em silêncio.



Até que a rapariga se mexeu por trás do balcão e veio quase até à porta, fez o gesto de o enxotar, um pedido angustiado para que se fosse dali. As colegas evidenciaram um riso nervoso. O rapaz não se mexeu, parado à entrada da loja, o olhar fixo na rapariga.



De repente já não era romance o que se desenhava mas sim tragédia. Tive algum receio pela rapariga. Mais ainda por aquele rapaz cujos olhos tinham tanto vazio, quase loucura. Pensei nos seguranças, que talvez devesse chamá-los, alguma coisa não batia certo entre aquele rapaz e aquela rapariga.



Baixei os olhos por momentos para a minha leitura. Quando os levantei não o vi a ele, nem a ela dentro da loja. Ponderei a hipótese de estar com alucinações. Ou de me ter cruzado com mais uma história de que não saberia o fim.



Certo é o receio dos rapazes que amam em excesso, com aquele vazio dentro dos olhos, quase sempre desembocando numa faca, num tiro de pistola, na morte de uma mulher.




~CC~

sexta-feira, novembro 11, 2011

Singularidades masculinas

Ele dança, mesmo sem nunca ter dançado. Basta colocar o seu coração no sítio certo, e conseguirá ser uma das cinquenta pessoas, pessoas especiais.


Mais aqui: http://www.teatromunicipaldefaro.pt/teatro/programacao/evento.asp?id=1016


~CC~



quinta-feira, novembro 10, 2011

Aparência

O gmail insiste para que mude para a nova aparência e comente como é que me estou a sentir.

Resisto, estou habituada a ver-me assim ao espelho, não obstante as olheiras mais e mais extensas e um certo brilho no olhar que só aparece agora em dias mais luminosos e dentro de certos abraços.

~CC~

terça-feira, novembro 08, 2011

Neruda na minha aula

Às vezes perco-me um bocadinho nas aulas, justamente naquelas em que tenho segurança sobre os conteúdos a abordar. Viajo até lugares, até pessoas, histórias, projectos. Queria estender-lhes o mundo diante deles para perceberem que é muito grande, muito diverso, muito e infinitamente rico. Aparecem inadvertidamente umas poeiras nos olhos porque uma pessoa não chora nas aulas e por isso são só estrelas. Hoje uma aluna disse com admiração: como é que sabe tantas coisas...e eu olhei-a e era uma miúda.


E respondi-lhe que não era assim, que tinha apenas mais trinta anos que ela. Mas devia também ter dito: trinta anos de muito movimento, trinta anos de busca, de partidas e chegadas, de querer ver, de querer saber. Trinta anos a vencer dia a dia a timidez até me esquecer dela. E só me veio à cabeça a frase do Neruda na sua biografia: confesso que vivi.


Mas mal esta frase me ocorreu, apareceram ainda as coisas que estão por viver.


Desenhou-se diante de mim o oceano e esse continente além Atlântico em que nunca pisei. Fechei os olhos: Chile, Argentina, Equador, Brasil. Não se trata de turismo, mas de estar e conhecer as pessoas.


Confesso que ainda tenho que viver.


~CC~

domingo, novembro 06, 2011

Bom dia

Já ninguém diz bom dia quando entra no café, num transporte público, numa sala de aula. Já quase ninguém o diz em algum lado.

Sobram as aldeias e algumas vilas onde os velhotes nos cumprimentam amavelmente com os seus gestos lentos e gentis.

E agora que a C me convida para nos encontrarmos mais cedo com os Domingos caminhando, recebemos dúzias de bons dias dos ciclistas com os quais nos cruzamos. E é bom.

~CC~

sábado, novembro 05, 2011

O essencial (II)

Viajei com R há cerca de três anos para um seminário em Itália, ambas tínhamos participado num projecto comum de uma ONG portuguesa, em sintonia com outras ONG no mundo, no término desse trabalho tinham decidido partilhá-lo e traçar novos rumos. Guardei de R apenas o nome, a imagem de uma mulher empenhada, como tantas outras com quem nos cruzamos nessas rotas. Mais tarde, no início deste Verão, a mesma ONG convidou-me para ir a uma reunião deles. Vou porque gosto da forma como eles trabalham, se juntam e conversam. Geralmente não almoçam em restaurantes nem alugam salas em hoteis, é tudo muito caseirinho, com comida feita por ali e uma sede que se transforma num ápice num espaço de encontro. Andam com as cadeiras às costas entre a sala de reunião e a improvisada sala de refeições. E todos participam, todos falam, o que é espantoso para quem conhece o mundo académico como eu, e sabe qual é nível de participação que os seminários aí organizados costumam ter.




R escreveu-me há cerca de dois meses, propondo-me que fosse à escola dela apresentar um documento no qual eu tinha participado como elemento de uma equipa. Falei-lhe em dois caminhos, um o das inevitáveis burocracias, e outro informal, em que tudo se poderia desenhar mais velozmente. Escolheu o segundo. E foi assim que esta Quarta Feira fui a caminho do Alentejo. Esperava-me para um almoço acolhedor numa tasquinha no meio do campo, a preços módicos e com comida caseirinha. Ela e o marido (eu e o meu rapaz) , deixando assim que estas fronteiras que costumamos colocar entre a vida profissinal e a privada se possam esbater sem que fiquemos por isso menos profissionais.



E não necessitámos de qualquer tipo de transacção monetária, eles convidaram, eu fui porque quis, afinal o voluntariado que nos sai da alma não dói.



Tudo simples, verdadeiro, escorreito. É isso o essencial.




~CC~

terça-feira, novembro 01, 2011

O essencial

A crise ensina-nos algumas coisas. Não tudo como eles querem. Não para nos convencer que somos culpados de nos terem convencido que deveríamos entrar na categoria de proprietários das casas em que vivemos. Já os meus pais que praticamente toda a vida foram arrendentários, desejavam não o ser. Incentivaram-nos o mais possível ao consumo, agora criticam-nos. A verdade é que por causa da crise começamos a pensar melhor no dinheiro que temos e no modo como o gastamos, é talvez a única coisa positiva.


Um sábado no cinema em zona nobre Lisboeta. Eu comprei bilhete combinado, um almoço tardio com filme incluído, dois em um permitiu-me poupar nas duas coisas. Depois os avós e os netos. Um casal de avós ainda novos e quatro rapazinhos entre os 4 e os 11 anos. Sentaram-se ao meu lado, os avós com um chá para cada um e os meninos cada um com a sua sandes trazida de casa. A avó trazia ainda uns bolinhos secos. Só os sumos foram comprados ali, mas devidamente repartidos. Não houve pipocas. Quatro bilhetes de cinema, ou seja, seis, custam dinheiro. Mas mais ainda custam os pacotes de pipocas, os maiores são mais caros que os bilhetes. E o que importa é o cinema, não as pipocas.

A conversa saborosa: digam lá, valeu a pena virmos ao cinema? Os meninos em coro com voz fininha: siiiiimmm. Então e já conheciam este herói da BD: o pai tem os livros...E o avô conta histórias sobre a sua infância mergulhada nos livros do Timtim.

O cinema, ainda assim a preços exagerados, e que vão subir mediante a aplicação da nova taxa do IVA aos espectáculos. Encontrarei mais estes avós com os quatro netos?

~CC~