sexta-feira, novembro 28, 2008

Palavras à procura de um blogue

Moçambique, foto CC, de Novembro de 2007


" ...já te falei dos bandos de pássaros que agora aqui andam? Parece que são tordos que vieram comer azeitonas, toda a gente fala deles porque são às centenas e fazem desenhos nos céus da cidade e dos campos, por cima do monte e do rio, como se se exibissem para nós. Ontem estava a dar consulta e da janela do consultório conseguia vê-los por cima dos telhados e do rio a dançarem em bando como se soubessem que me iam distrair."
EB (Viana do Castelo)


Recebi dela estas palavras por mail, quase trinta anos depois de um Verão em que nos encontrámos, duas raparigas repletas de luar nos cabelos. Depois desse Verão, creio que nos teremos visto muito pouco, quase nada. Depois a Ardósia promoveu por si mesma este encontro. Há muito tempo que não nos vemos, mas os olhos, agora mais cansados, registam ainda o voo dos pássaros.

~CC~

Ponte dos milagres (VIII)

Eu era a sua advogada de defesa, tinha sido o marido dela a contratar-me. As poupanças, dizia ele, de nada valiam se não pudesse ter a sua mulher de volta.

Eu acreditava nesta mulher inocente, mais que na inocência desta mulher, porque a inocência não era nela o facto de não ser culpada, ela era inocente em si mesma, era apenas e quase só uma rapariga à procura de um milagre. Mas se ela era inocente, alguém teria culpa.

A criança tinha sido efectivamente roubada do hospital nessa cidade que ficava relativamente próxima da Ponte da Mizarela, ainda que distante. E em menos de uma semana descobriram este casal que dizia a ter recebido de mãos divinas. Uma menina chamada "Senhorinha", registada ainda por cima por pessoas de fora?! Porque razão viria uma família do Sul registar ali uma criança que não tinha nascido num hospital da região? E sem nenhum papel que comprovasse o nascimento da criança? Discretamente enquanto a funcionária fingia acreditar na história, a polícia foi avisada e o falso registo considerado uma prova.

Foram dias de desnorte e tormento e este homem chega até mim em estado pleno de desorientação. Pedi que repetisse a história várias vezes até a compreender. E hoje, passado quase um ano da prisão desta mulher, consigo traçar o roteiro da culpa pelo roubo da menina. Infelizmente, este saber nada acrescenta, não posso ou não consigo libertar esta mulher. Resta-me o consolo de saber que ainda sei ler um olhar. E a absoluta tristeza de saber que se eu a libertar com a minha verdade rondará junto dela uma outra espécie de morte.
~CC~

quarta-feira, novembro 26, 2008

Vítimas

Não gosto da palavra vítima, por indiciar um estado de coisa sem retorno, um corpo reduzido a nada. Estes miúdos que falaram já foram vítimas, durante todo o tempo do seu silêncio e do seu medo. Não é a condenação dos abusadores que os salvará, nem a nós, mas poderá mostrar que os mais vulneráveis também são capazes de lutar, e isso é esperança. O mais importante não é nos contentarmos com a condenação dos poderosos, como se os seus privilégios, conseguidos ou não por direito próprio, nos incomodassem mais do que os abusos que cometeram.

O que é importante é acreditar que há gente que poderá cortar com a sua voz silêncios de séculos. Já não são vítimas, são heróis à medida do mundo.
~CC~

terça-feira, novembro 25, 2008

Ponte dos milagres (VII)

Beijei o meu marido naquele dia de Inverno, a sonhar com o dia em que a Primavera chegaria. Depois desse dia ficou entre nós mais vivo o amor. Lembro-me de o ver passar para a oficina de madeiras ainda muito jovem, na sua motoreta preta, a fazer contraste com o capacete branco que usava. Tem sido um marido exemplar, mas fala muito pouco. Eu, pelo contrário, sempre gostei de cantar, de bailar, de brincar, sempre fui alegre. Uma vez, num baile de Verão, consegui que viesse dançar comigo. Tinha os pés tão presos ao chão que acho que fui eu que o conduzi, mas vi que o seu sorriso tímido escondia um homem bom. No dia seguinte veio trazer-me uma rosa e disse baixinho: tirei-a da estufa do avô Manel, ele nem deve notar. Nesse momento, senti muita ternura, e apeteceu-me casar com ele.

Nestes dias dificeís em que aqui tenho estado presa neste cubículo escuro, ele tem vindo sempre, nunca me abandonou. Imagino que tenha cuidado da nossa menina, essa benção que me foi entregue pelo raiar de uma manhã de Primavera. Imaginava que a tinha recebido das mãos de Deus, mas parece que não foi assim, parece que afinal foi o Diabo que ma entregou, mas eu não tenho culpa, não sabia que tinha que lhe dar a minha alma em troca.

O advogado disse-me que eu teria que confessar que a tinha roubado no hospital da cidade, mas eu nunca poderei confessá-lo porque não é verdade, eu não entrei em nenhum hospital para a roubar. Ele diz que estão gravadas as imagens de uma mulher coberta de panos pretos como se fosse uma cigana e que o rosto mal se vê, mas que só posso ser eu. Eu não sei explicar mais nem melhor, mas o desconhecido que na ponte da Mizarela me entregou a criança, estava coberto de panos pretos. Achei normal que ele se quisesse encobrir, porque os milagres são assim mesmo: uma luz ou uma sombra.

~CC~

domingo, novembro 23, 2008

Ponte dos milagres (VI)

Tentei convencer os juízes da inocência desta mulher simples, nascida numa aldeia do sul, fruto de um mundo em que as soluções se esgotam depressa como areia a cair das mãos. Tentei mostrar-lhes como é possível ir ao encontro de um milagre e acreditar de facto que ele existiu, mesmo que isso de todo nos pareça impossível. Mas ela era também uma mulher esperta, capaz e despachada, pelo que não podia nem queria marcá-la com um rótulo que tornaria a sua vida uma outra coisa. Sim, se o mundo se podia dividir em dois, ela era imputável.

Nunca, por mais casos que defenda em tribunal, me posso esquecer dos seus olhos meigos como mel, da sua voz dizendo:
Aconteceu percebe?! Pela manhã o desconhecido apareceu na ponte da Mizarela, apareceu logo com a criança, não me lembro do rosto dele, trazia um pano a cobri-lo. Debaixo desse pano preto, muito comprido, trazia o bebé. Era rosado, muito bonito, igual ao melhor dos meus sonhos. E deu-mo, simplesmente passou-o para os meus braços sem uma palavra.

Fez um silêncio, e depois, espantada com o que ela própria tinha descoberto, disse:
Só se esse desconhecido era o próprio Diabo, e como eu aceitei a criança dos seus braços, cometi o maior dos pecados e por isso tenho de ser julgada.

E lembro como nessa altura o juiz baixou a cabeça, passou a mão pelos olhos, e pareceu desesperar com a impossibilidade de comunicar com esta mulher.
~CC~

Jogo de Inverno

A tua mão desliza devagar para fora dos meus dedos, no último dedo eu agarro-a e ela enrola-se na minha. Depois és tu a fazer o mesmo. É um jogo de Inverno, e lutamos ambos contra o frio que teima em competir connosco.
~CC~

quinta-feira, novembro 20, 2008

Pela poesia



Enquanto a dita maior e melhor livraria do país fecha as portas, há outras ideias pequeninas a vingar. Vejam esta: publicar poesia a partir da receita de alfarroba.


~CC~

quarta-feira, novembro 19, 2008

Ponte dos milagres (V)



É como já vos disse, nasci numa aldeia entre o Alentejo e o Algarve, num lugar do qual nunca desejei sair. O meu professor do 6º ano dizia para estudarmos porque só assim poderíamos ir para a cidade e conquistar novos empregos, novos ofícios. Eu não queria, gostava do cheiro da cal nas casas, do sol a debruar a soleira da porta, das sardinheiras a espreitar das janelas e dos quintais. Gostava de ir aos figos pelos campos, de deixar a roupa a secar no estendal do quintal, de dar milho às galinhas, de ajudar a mãe a fazer os queijos. Já mais velha, chegavam-me os bailes com as festas dos santos, o café central, as excursões que a Filarmónica organizava, as tardes de praia conseguidas à boleia na mota de um ou num carro velhote de outro.


Eu não queria saber de outro mundo além da minha aldeia. O único lugar que despertou o meu interessou foi mesmo a ponte da Mizarela. Contei primeiro à minha melhor amiga, uma mulher casada como eu, mas já com dois filhos. Ela disse-me que se fosse ela, também iria, que devemos tentar tudo para realizar os nossos sonhos. Já o meu marido fez tudo para me fazer desistir da ideia, até não me poder ouvir mais falar na possibilidade do milagre. Foi depois do jantar, numa noite especialmente fria, em que de tão triste eu tinha ficado parada no sofá, sem sequer me levantar para acender a lareira. Dormitava enrolada numa manta, quando ele se chegou a mim e disse: Quando chegar a Primavera eu levo-te lá.

~CC~

terça-feira, novembro 18, 2008

Perdidos e achados



As pessoas que eu perdi sem que tivesse escolhido perdê-las. Ficaram lá atrás, situadas em cenários com voz, cheiro, paisagem. Pergunto porque é que a vida as levou para longe do meu presente quando havia entre nós um rio de palavras e silêncios coloridos, tantos modos de nos dizer...Por vezes luto contra essa perca, vou fazendo alguns telefonemas ou enviando mails, até que o tempo me vence e o espaço entre cada comunicação se torna maior. É como se os caminhos se tivessem desviado de forma inevitável, destinos que se perderam. Aceito essas ausências sem mágoa, mas de quando em quando elas tornam-se tristes, como se as pessoas ausentes fossem sombras que me acompanham e que de repente tomam forma.


Hoje foi assim com a sms dela, devia ter ficado alegre por saber que está bem e a fazer teatro, coisa que sempre desejou. Devia ter ficado feliz, mesmo sabendo que o que escreveu a mim é o mesmo que escreveu a todas as pessoas que constam da sua lista de endereços. Mas ela deixou de ser sombra e tomou forma de carne e osso e voz. E vi-me e via-a na nossa juventude e transição para a vida adulta, pensei nas tardes, nas noites, nas manhãs em que acordámos juntas em tantos lugares. Lembro-me de pensar que as nossas crianças cresceriam juntas num sítio no campo, perto do mar e de muitos malmequeres. Como é que a vida desfaz amizades fortes, alimentadas de tanto sonho, de tanta ternura? Mesmo com o telefone na mão, sabemos que não podemos voltar, perdemos a intimidade. O que nos resta é talvez um café, algumas palavras de circunstância a conferir se estamos bem, o que resta do brilho antigo deixado num breve sorriso.

E pensamos e dizemos: Adeus, até á próxima. Mas nem sequer sabemos se a próxima existirá.


~CC~

segunda-feira, novembro 17, 2008

Ponte dos milagres (IV)

A lenda da ponte da Mizarela é simples. A mulher que não engravida ou que já grávida viva em sérias dificuldades deve pernoitar nesta ponte. Assim que a manhã espreitar, ela deve esperar o primeiro caminhante que passe. Deve chamar por ele e pedir-lhe que jogue com a ajuda de uma corda um vaso que deve regressar cheio de água do rio rabagão. Com essa água, o viajante procede ao baptismo da criança (ou da sua esperança) no ventre da futura mãe. É muito importante o contacto da água com a pele, pelo que a mulher deve afastar a roupa que a cobre ou deve levar vestes em que abriu previamente um orifício. Deve ser dita a reza condizente, pela qual todos os rapazes nascidos deste ritual se chamarão Gervásios e as raparigas Senhorinhas.

Quando esta mulher morena e bonita, filha de um pai não comunista e não crente, na casa dos 30 anos, me contou esta história, confesso que lhe fiz uma série de perguntas nascidas da minha racionalidade de advogada. Como é que hoje em dia se acredita que há viadantes a passar no começo da manhã em lugares tão inóspitos como este? Porque é que esta água é milagrosa e não outra qualquer? Como é que uma água sobre a pele influencia a gestação? Mas sobretudo, como é que uma mulher de hoje acredita numa lenda que parece ter sido criada em plena idade média, ou mesmo antes?

Esta mulher da ponte da Mizarela, cuja voz já ouviram na primeira pessoa, na situação em que está actualmente não tem revistas nem jornais à mão. Por isso não me respondeu que Nicole Kidman, actriz bem sucedida de Hollywodd, atribuiu recentemente a sua gravidez a uma cascata milagrosa na Austrália. Mas eu coleccionei estes e outros artigos com estas histórias, e mesmo sem entender, respeitei estas mulheres.
~CC~

domingo, novembro 16, 2008

Um passeio no Outono




Pelos passos da manhã me levei e te levei comigo no caminho do Outono junto ao mar.

Em cada fotografia de árvore retratamos o que temos em comum: o olhar mudo e cumplice deitado às formas de seiva, água e húmus.

~CC~

sexta-feira, novembro 14, 2008

Ponte dos milagres (III)

Eu morava longe da ponte da Mizarela, numa aldeia pequenina perto do mar, branca de cal como são os lugares do sul. Na minha casa, o meu pai tinha deitado fora todos os cristos e rosários que a minha mãe tinha trazido para o casamento. Cá em casa nada de rezas nem mézinhas, essas crendices que só fazem mal ao povo. A nossa luta é contra os patrões, mais nada. Da sua intolerância mas também da sua força tinha nascido eu, herdeira de esperanças que nunca concretizei. Oiço ainda a sua voz forte, os seus olhos sempre duros, a pele tisnada do sol do campo: tens de ir à escola, tens de estudar.

Tudo me interessava mais que a escola, lugar que deixava por qualquer passeio para apanhar azedas, por qualquer pescaria na ribeira, por uma ajuda na queijaria, por uma tarde a ouvir música na filarmónica. A escola aborrecia-me e a vida divertia-me, era uma miúda aluada, distraída, que tinha tanto sono depois do almoço que a minha colega do lado tinha por missão me abanar para eu não deitar a cabeça no tampo da mesa. O meu pai não sabia que fazer de mim, e ocupado com a luta política, não tivera tempo para mais filhos. Era eu a única e ainda por cima tão incapaz que não só desistira cedo da escola e casara mal feitos os vinte, como não lhe dava netos.

Como podia esquecer-me da lengalenga que a velhota me fizera anotar no papel: escreve minha filha, se sabes escrever, que eu não sei. Com o meu 6º ano de escola eu ainda era capaz de deixar no papel aquelas palavras que me acompanhariam daí em diante.

"Eu te baptizo criatura de Deus, pelo poder de Deus, e da Virgem Maria. Se for rapaz, será 'Gervás';se for rapariga, será Senhorinha. Pelo poder de Deus e da Virgem Maria,um Padre-Nosso e uma Avé-Maria. Eu te baptizocriatura de Deus, Pelo poder de Deus, e da Virgem Maria."

Como faria eu para ir ao Minho, junto ao rio Rabagão?

~CC~

Os caçadores de planetas


Pesados e redondos, adornados de poeiras vermelhas, afastados por milhares de anos luz, chegam pelas mãos dos caçadores de planetas, rasgos de mistério em pleno universo.

Pudesse eu nascer de novo, e estaria esta profissão escolhida logo no berço.

~CC~

quarta-feira, novembro 12, 2008

Ponte dos milagres (II)



Era uma ponte construída pelas mãos do próprio Diabo, só ele poderia incliná-la assim por cima das pedras. Mais tarde, muito mais tarde vim a saber o quanto isto era verdade, mas na altura só pensava no que a velhota me tinha dito, na ideia de trazer deste lugar uma criança abençoada pelas próprias águas. A minha história começa e termina neste lugar.
~CC~

segunda-feira, novembro 10, 2008

Ponte dos milagres (I)

Esta é a minha história, a de uma mulher que aguarda há dez anos por um filho que não chega. Na minha aldeia não há nenhuma mulher como eu. Espreito a corda de roupa da minha vizinha, onde há em todas as manhãs de sol o espelho dos seus meninos na roupa molhada. As mulheres dizem baixinho quando eu passo: coitada, tão jeitosa, e nada!

Já rezei a todos os santos que conhecia e a santas também. Cansei-me de beber chás de todas as cores. Já deitei de tudo na comida do meu homem. Depois convenci-me e fui ao médico lá na cidade, que me olhou por dentro e por fora à procura das causas para o meu ventre infértil. Disse-me que ia demorar a encontrar as respostas e eu tenho pressa, quero ter os meus filhos antes dos trinta, depois serei já mulher madura.

Até que, já vai fazer um ano, uma velha quase sem dentes parou ao pé de mim com o seu cajado de nogueira e disse-me: porque não vais à ponte dos milagres?! Agarrei-a pela manga do seu vestido preto já coçado, obrigando-a a contar-me a história toda.

E foi assim que conheci a lenda da ponte da Mizarela.
~CC~

domingo, novembro 09, 2008

Profissão professor



Oiço-os de um e do outro lado falar de uma vida que é também a minha. Vejo o rosto tenso e duro da Ministra da Educação, de certa forma há um desconsolo profundo nela. Vejo os rostos vitoriosos de quem desce a avenida unido numa causa comum, agora parecem felizes, mas conheço bem o cansaço que trazem acumulado. Um cansaço maior e além deste modelo de avaliação. É a escola, é o seu modelo de ser escola que já rebenta pelas costuras. Era essa a luta que gostava mesmo de travar: uma outra escola.

Vejo como na vida me tem sido sempre tão difícil fazer estas escolhas, estar num ou no outro lado da fronteira. Compreendo as razões de um e do outro lado e isso torna-me vulnerável, presa de um e do outro lado. Lembro as muitas situações em que me encostaram à parede, obrigando-me a uma escolha impossível. Fiquei sozinha, sou sozinha de certo modo, creio que o serei sempre. Em muitas situações, nunca poderei estar inequivocamente com os vencidos ou com os vencedores. Creio que os professores deveriam gritar na rua que querem ser avaliados. Esta é a mensagem principal, a outra é que querem um modelo de avaliação alternativo a este.

Eu gostava de ter sido avaliada como professora nas várias dimensões em que exerço a minha profissão, desde a sala de aula, às propostas e projectos, à relação e inserção nesta comunidade onde a minha escola se insere. Creio que se tivesse sido avaliada, não estaria na péssima situação em que hoje estou. Nunca, ou quase nunca, as competências que temos e as que conquistamos foram o essencial da avaliação na profissão que exercemos e essa é uma das tragédias portuguesas.

Grito portanto na rua que sou a favor da avaliação e que não a podemos suspender, nem adiar. Mas grito também contra alguns dos erros que estão a ser cometidos, desde logo por essa divisão absurda entre os professores titulares e não titulares, designação do mais infeliz que conheço. Não estou por ora na fileira dos que serão avaliados pois a avaliação do exercício da profissão no ensino superior não é para já, mas virá também.

Sublinho que adoro esta profissão, creio mesmo que a maior parte de nós que a temos, gosta muito dela. E é nisso que a ministra falha e era essencial que acertasse: desde sempre que lhe falta reconhecer o valor de quem todos os dias entra nas salas de aula com prazer.

~CC~

quinta-feira, novembro 06, 2008

Ausências e errâncias (VIII)

É hoje o dia do baptizado de Carol e André, os meus dois filhos, com diferença de apenas um ano um do outro. A igrejinha da Candosa está bonita, teve uma pintura nova e enchi-a de flores do campo que eu própria fui apanhar para os lados do Cabril. E estamos na Primavera, está um dia limpo e fresco.

Discuti muito com o padre e o meu único verdadeiro amor o baptismo destas crianças, virando ele a cara e desviando o olhar cada vez que eu lhe dizia que se ele os baptizasse seriam também um pouco filhos dele, os filhos que não tinham nascido do nosso amor. E quando ele me responde não há o nosso amor, ele percebe o quanto mente a si próprio. Durante estes cinco anos em que não voltei, escrevemos regularmente um a outro uma carta por mês. Cartas à moda antiga que o meu amor é um homem do mundo colado às tradições da sua aldeia. Inquieta-vos que lhe chame meu amor? Não é simplesmente como os outros, mas ele é a ligação mais forte que eu tenho a outro ser humano. O fascínio que tenho por este homem e o desejo que sinto por ele já são parte de mim, são o meu sangue.

Sim, é verdade que tive estes dois meninos loiros, fruto de uma grande amizade e de um respeito enorme pelo Peter, meu colega cientista. Nasceram lá longe, nos dias frios e chuvosos de Londres quando a mão dele era tudo o que me podia roubar à tristeza. Talvez o ame também, um outro tipo de amor, uma aragem fresca e doce como a que me chega hoje ao olhar o rio.

Daqui a pouco ele entrará nesta igreja, os seus olhos tão negros e brilhantes, serão mais uma vez o lume que nunca esquecerei. O amor, o amor é tudo isto, o que temos e o que nunca teremos, o que nos corre na pele e o que não correu nem nunca correrá.

Quando a cerimónia acabar, a senhora da Candosa estará sorridente, o seu padre nunca a deixará, e ganhará por momentos mais um menino e uma menina para enrolar no seu manto protector.

Eu estou feliz.

Fim
~CC~

terça-feira, novembro 04, 2008

I have a dream!


Sonhei que o Obama tinha ganho as eleições nos Estados Unidos.

Sonhei mais, sonhei que o Obama, por ganhar as eleições nos Estados Unidos, tinha começado a ser mais corajoso. Sonhei que tinha recusado a benção de qualquer religião, virado a cara ao lobby do Petróleo, tinha finalmente assinado o protocolo de Quioto e aceite que os seus cidadãos podem ser julgados pelo Tribunal Internacional dos Direitos Humanos.

Sonhei mais e mais, sonhei que ele tinha desmantelado os seus lugares encapotados de guerra nos quatro cantos do mundo, e que tinha dito que de ora em diante as suas tropas só agiriam na cena internacional integradas nas forças de Paz da ONU.

Sonhei que ele não dormia a pensar nos caminhos possíveis para resolver o conflito entre Hutsis e Tutsis que cruza vários países de África e agora assola o Congo. Sonhei que ele tinha dito "I Have a Dream" e tinha explicado que esse sonho era o de um mundo realmente melhor, pelo qual evidentemente não poderia lutar sozinho, sonhei que tinha dito que de alguma forma contava connosco.

~CC~

segunda-feira, novembro 03, 2008

Noites com silêncio


O silêncio é só esta noite espessa onde as horas passam velozes, em contra relógio com as muitas tarefas sempre atrasadas.

Há em cada noite de silêncio um semanário sem leitura que sobrou do fim de semana, um livro na estante a piscar-me o olho, um monte sempre crescente de roupa para passar, pensamentos persistentes à volta de alguns medos que crescem como se fossem a sombra da crise.

Há no silêncio da noite sonhos permanentes de passeios, de viagens. Estou já perto de Sevilha e a caminho das termas de Budapeste.

Há em cada silêncio de cada noite a saudade de um lugar amado, um cheiro ou um sabor que vem de um tempo já passado. São as gambas de Benguela, o azul claro do Índico, o sol deitado no final da tarde num pedacinho da ria formosa.

Às vezes o silêncio da noite tem o nome da tua ausência e sabe à tristeza de uma boca sem beijos.

~CC~

sábado, novembro 01, 2008

Noites com música

Leaders, Seixal Jazz 2008

Do palco para nós, a alegria a transbordar em música.
~CC~