Eu era a sua advogada de defesa, tinha sido o marido dela a contratar-me. As poupanças, dizia ele, de nada valiam se não pudesse ter a sua mulher de volta.
Eu acreditava nesta mulher inocente, mais que na inocência desta mulher, porque a inocência não era nela o facto de não ser culpada, ela era inocente em si mesma, era apenas e quase só uma rapariga à procura de um milagre. Mas se ela era inocente, alguém teria culpa.
A criança tinha sido efectivamente roubada do hospital nessa cidade que ficava relativamente próxima da Ponte da Mizarela, ainda que distante. E em menos de uma semana descobriram este casal que dizia a ter recebido de mãos divinas. Uma menina chamada "Senhorinha", registada ainda por cima por pessoas de fora?! Porque razão viria uma família do Sul registar ali uma criança que não tinha nascido num hospital da região? E sem nenhum papel que comprovasse o nascimento da criança? Discretamente enquanto a funcionária fingia acreditar na história, a polícia foi avisada e o falso registo considerado uma prova.
Foram dias de desnorte e tormento e este homem chega até mim em estado pleno de desorientação. Pedi que repetisse a história várias vezes até a compreender. E hoje, passado quase um ano da prisão desta mulher, consigo traçar o roteiro da culpa pelo roubo da menina. Infelizmente, este saber nada acrescenta, não posso ou não consigo libertar esta mulher. Resta-me o consolo de saber que ainda sei ler um olhar. E a absoluta tristeza de saber que se eu a libertar com a minha verdade rondará junto dela uma outra espécie de morte.
~CC~
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