terça-feira, novembro 12, 2013

A amante perfeita



Uma amante perfeita era como Lola era. Até o nome dela era o de uma amante perfeita. Os encontros eram regulares e sem falhas, mas se ele falhava, ela não dramatizava, ficava apenas para outro dia. Nunca, em todos aqueles anos, falara da sua mulher, muito menos pedira que a deixasse. Deixava-o falar dos filhos e ouvia-o mas não mostrara vontade de os conhecer. Não lhe pedia presença em acontecimentos públicos, tinha muitas amigas com quem ir. Lola odiava o Natal e as festas de aniversário, por isso nunca exigiria a sua presença em tais eventos, normalmente ia viajar. Lola nunca enviava sms, quanto muito respondia aos seus. Em tudo parecia uma mulher de bem com a vida.

Tudo era bom e perfeito, um triângulo sem mácula, pelo menos era o que ele pensava. Até um dia. E não fora ela, fora ele. Tanta perfeição tinha criado nele a dúvida. Seria o único? Ela amava-o? Os seus amigos e colegas diziam que todas as mulheres amam com posse e ciúme, por isso ela não o amava. Ele, na realidade, não lhe fazia falta. Ele era uma espécie de refeição, uma vez degustada, estava terminada. Ele era um adorno, ficava bem com o resto da roupa, mas não era essencial. A dúvida minou-o e enraiveceu-se com a sua própria dúvida. Pensou pedir-lhe justificações, persegui-la, fazer-lhe perguntas. Não tinha, contudo, perdido toda a decência, olhava com pena para a forma como se estava a tornar ridículo. Então explicou-lhe tudo numa única frase de despedida: ele não era homem para uma amante perfeita.

~CC~

segunda-feira, novembro 04, 2013

Palavras malditas



Todos os dias da sua vida ele desejara uma mulher que amasse as palavras. A sua vida fazia-se no interior dos livros, recomendando-os, emprestando-os, trazendo as pessoas até eles. Maria escrevia ainda à mão, como quase ninguém fazia. Durante os seus quarenta anos de vida, ele conhecera mulheres mas não amara. E também não esperava amar. Não lhe interessava particularmente o amor, preferia os retratos dele em matizes tão diversificadas espalhadas no papel dos seus amados escritores.
O primeiro ano do seu namoro fora apenas uma sucessão de olhares longamente trocados, ele sobretudo interessado na mulher que escrevia, ela no homem que sabia de livros.
No segundo ano ela escreveu-lhe as cartas. Tinham sido doze, à moda antiga, uma por uma deixadas em mão na secretária dele, assinadas apenas com o seu primeiro nome. Não eram longas, cerca de meia página. Não eram declarações de amor, eram declinações de sentimentos experimentados ao longo de um mês, as palavras certas, contidas, mas belas. Na última ela terminava dizendo que ele era o homem por quem tinha esperado sempre, um homem que amava as palavras como ela.
Estavam juntos há cerca de sete anos. Anos de total silêncio da palavras escrita. Abriu as 12 cartas que tinha recebido dela. Uma por mês durante um ano. Ela estava ali todos os dias ao seu lado, nenhuma palavras lhe escrevia. Ele sonhava que um dia chegava a casa e ela estava sentada a escrever. Ele ia ao correio e pensava ter uma carta dela. Ele vasculhava a secretária à procura de um bilhete dela. Por vezes suspeitava que esta não era a outra, mas apenas uma sombra dela. Lembrava-se da fonte da quinta do avô que tanto deitara água durante a sua infância e secara um dia sem grande explicação.
Ele via nas mais pequenas coisas do quotidiano que a mulher o amava. Mas as palavras escritas, como elas lhe faltavam. Nada lia dela, nada via dela, apenas os diálogos trazidos pelo quotidiano. Ele esperava um bilhete, nem que dissesse apenas: volto já.
~CC~