terça-feira, maio 07, 2013

Velhos deste país



Nascido entre os mares de pedra deste país, assistiu à vinda da liberdade, tentando vê-la no modo como os rebanhos se deslocavam mas eles permaneceram mudos e absolutamente iguais na sua busca de erva verde e de água boa. O que ele sabe da liberdade é que ela lhe levou os filhos para longe, o rapaz que tinha ido estudar para padre era já sabido mas a sua menina, essa nunca pensara que se pudesse afastar. Ficara só com a sua mulher e o seu rebanho, conformado com a vinda dos filhos a casa duas vezes por ano.
 
Com o tempo, apenas teve mais e mais dificuldade em vender os seus queijos e a sua manteiga, espartilhado entre regras que não podia cumprir. Tudo tinha que ter agora uma marca e um desenho que lhe diziam ser um logotipo. Não conseguia perceber a utilidade dessas coisas no raio dos 100 km onde podia vender os seus produtos caseiros que desde sempre eram os produtos do senhor Manuel da casa do ribeiro.
 
 
Dobrou o século com a tristeza urdida entre si, as ovelhas e a mulher cada vez mais calada. Quando dera conta ela já não era apenas uma mulher calada mas também uma mulher que dizia coisas sem sentido. Desconfiou de alguma maleita e o médico confirmou. Não o deixaram levá-la para casa argumentando que ela não podia ficar sozinha porque o mais certo era deitar fogo à casa ou deixar-se ir na ribeira.
 
As ovelhas essas iam comendo a sua tristeza e solidão e dando cada vez menos leite. Tinha dias em que só comia pão, queijo e umas laranjas. Não queria tirar o pouco que tinha no banco. Todas as semanas ao Domingo ia ver a mulher que tinha sido a mãe dos seus filhos e agora o desconhecia.
 
Na volta de cada Domingo pensava sempre no mesmo, no seu fim, nos olhos que se podiam fechar para sempre e com eles a dor. É verdade que pensava na tristeza que ia causar a filhos e netos, mas sabia que com o tempo isso lhes passaria e ainda assim poupava-lhes o trabalho de cuidar dele.
 
Se o pensou, assim o fez e deu um beijo muito doce naquele Domingo à sua mulher, fez umas festas às ovelhas, olhou pela última vez a névoa mágica daqueles montes e perguntou-se se a sua vida tinha valido a pena.
 
~CC~