segunda-feira, junho 29, 2009

Lágrimas presas

O que é espantoso é o modo como a vida que foi a nossa irrompe dentro dos encontros mais superficiais, desta vez só nós os três em redor da mesa das sardinhas de um Domingo calmo. Tudo começa com uma paixão que pode nascer aos oitenta anos, num comboio para o Algarve. Tudo o que antes seria história só possível na adolescência surge agora como promessa contida nas vidas que os mais velhos viram despir-se de amor, mas não de esperança. Gostava tanto de a ver viver um amor. Temos pena que se tenham despedido sem cumprir o sonho, mas compreendemos que a troca dos telefones aos oitenta jamais pode ser como aos dezoito. E era um homem tão bonito ainda, diz ela.

E é pelo amor que a seguimos até às partes mais obscuras e dolorosas, à tropical solidão de uma mulher que perde o marido que ama e está grávida dele no momento em que ele faz a mala definitiva. Não mais voltará. Nunca saberemos que futuro seria se ele a tivesse desfeito.

Pensava que tinha esquecido um e outro e mais outro episódio, mas de repende deslizam todos até mim, primeiro de dia e depois de noite. Vem até mim o carro vermelho da amante de onde eu jurei saltar em andamento, tiveram que o enconstar na berma e deixar-me seguir pelo passeio. Havia já dentro da menina que eu era, uma fúria contida e grandes lágrimas presas.
~CC~

domingo, junho 28, 2009

Luz nocturna






Crespúsculos dourados a abrirem as noites luminosas no Festival MED (Loulé).
Ontem, dançar com este Brasil profundo, uma prova de que a cultura popular está viva e a acontecer, viva e rasgada numa poesia cheia de ironia e humor.

~CC~

quinta-feira, junho 25, 2009

Insuficiente

Espreita dentro de mim a Vanessa à espera que lhe conte o resto da história. Espreita um longo poema Almar que deixei a meio. Espreitam as memórias da adolescência atormentadas por verem a luz do dia, como se depois disso, se pudessem aquietar no silêncio interior. Espreitam todas as pessoas que vivem dentro de mim, esperam o tempo que não tenho, que não lhes dei, que nunca lhes dei em dose suficiente. Ligam-me pessoas que não sei quem são, dizem nomes e que algures se cruzaram comigo, há qualquer pedido que têm a fazer-me e que acrescento à longa lista de coisas que não cumpri, que nunca cumprirei. Deixam-me mensagens a pedir que comente um inquérito com resultados surpreendentes sobre os jovens e a escola, como não me apetece surpreender-me, espero que se esqueçam de mim e não ligo ao número que ficou registado. Enviam-me mails de despedida que me fazem chorar e não sou capaz de lhes responder. Há muito que desejo passar despercebida num certo lugar, que se esquecessem da minha existência, desejaria mesmo que não estivesse sempre a pronunciar alto o meu nome, que me de deixassem em paz como eu os deixo em paz.

Enfim, há muito que sei, que tirando meia dúzia de coisas, tenho nota insuficiente nas outras todas.
~CC~

terça-feira, junho 23, 2009

De bicicleta...se vai longe*!



Eles pedalaram assim...

* E eu, mais assim...

*
cartão amarelo para a organização: excesso de publicidade; mensagem completamente diluída no mega-evento; deficiente apoio durante o percurso....e já agora, as bicicletas não são puzzles! Com estas bicicletas não vamos longe não....
cartão verde para os participantes, efectivamente um grande espiríto de boa disposição e ajuda, sorrisos largos por todo o lado.

~CC~

segunda-feira, junho 22, 2009

Às claras

Também eu fiquei num abismo interior com as imagens do Irão. E descontente com as explicações que eram dadas. E hesitante entre dar razão à ideia de fraude. Importa desligar o que queremos do que eles efectivamente querem. E eu queria perceber o que querem eles. E um país tão grande deve estar recheado de diferentes quereres. Tive a sensação que a pressão ocidental pode retardar tudo, mais ainda se Israel se põe a falar sobre eles de forma arrogante.

Mas sem alguma pressão ocidental, sem uma imagem atirada cá fora, tudo teria há muito se silenciado. Não é simples saber o que há fazer, o que é melhor fazer, ou se deve sequer ser feita alguma coisa além da expressão da nossa inquietação. Também em mim cresce um fervor imenso quando penso que as mulheres iranianas poderão reclamar por um lugar na sociedade, poderão vir a ser mais que meros adornos no poder imenso dos homens. Não tenho nenhuma hesitação quanto ao caminho, nem nenhuma espécie de tolerância cultural quando estão em causa direitos essenciais. Mas penso que não nos chega isto, não podemos criar o destino para os outros, eles têm também de o tomar em mãos, sob pena de tudo ser um artíficio (como já foi antes num Irão dito Ocidentalizado).

Gostei especialmente do Câmara Clara ontem na RTP 2 dedicado ao Irão, tempo dado aos convidados para falar, pequenas reportagens a pontuar o que era dito, voz dada ao descontentamento mas não só. Maravilhosos os pequenos filmes de animação que mostravam um país a esconder-se dentro de casa para poder libertar-se do ferrete religioso.

E a perspectiva histórica, muito importante sempre. No tempo do Xá a ocidentalização do Irão era o objectivo máximo, o uso do lenço foi, por exemplo, proibido. E agora é praticamente proibido não o usar. Dá que pensar a forma como os extremos se tocam e como um vem a explicar o outro. É por isso que os trilhos devem ser traçados com o máximo cuidado, e sempre com os passos de quem quer fazer o caminho.
~CC~

sábado, junho 20, 2009

Pedalar na ponte


LISBOA BIKE TOUR

Também irei, parece que é contra a Droga e a favor dos rios, dos flamingos, do puro gasto das nossas energias nos pedais.

~CC~

sexta-feira, junho 19, 2009

Descubra as diferenças





Pensando bem as diferenças entre mim e ela são pequenas, talvez a cor do cabelo, talvez o corpo menos redondo, talvez os olhos menos abertos. Resta-me só saber se quando soltarem as molas, vou afinal voar ou cair no chão.

~CC~

domingo, junho 14, 2009

Notas da (des)ordem interior

Dá-me a mão pequenina para o levar a passear e ela fica encaixadinha na minha enquanto olhamos para as coisas e lhe digo o nome delas. Depois solto-o e ele caminha sozinho com os seus passinhos de aprendiz, parando a cada momento para se espantar com coisas que já deixámos de ver. Não há sorriso por ora que me pareça mais bonito. Fica a doer-me a distância a que os meus dias se encontram dos dele e a impossibilidade de cuidar mais.

Paro no fim das subidas de bicicleta nesse dia de calor infernal, os sinais interiores não são de cansaço, mas de um mal estar a que recuso dar nome, recuso saber. Estou certa que se absorver do passeio o aroma das flores, poderei libertar-me de tudo. Invento terapias alternativas ao sabor da brisa quente.

Às vezes pareço perder-me do amor, como se as diferenças deixassem de ter graça, para se tornarem uma ferida pequenina, qualquer coisa que não dói, mas incomoda. Mas depois recupero num segundo todo esse encanto. Um homem que nos diz que nos gostaria de ver com o vestido daquela cantora tão bonita que ontem deslumbrou o auditório, diz-nos a coisa certa, ou então é o meu fraquinho por vestidos. O amor pode nascer grande, mas é das coisas pequenas que ele se vai desenhando. E das coisas que encantam.

Comecei por desenhar uma rede, porque me fazia lembrar mar e ondas. Pode um trabalho de investigação começar por uma rede? O meu começou assim. E o que me faz feliz é que apesar de não saber o seu fim, ele é já um mundo cheio de pessoas especiais. E o meu maior receio é não conseguir as trazer inteiras para dentro da minha escrita. Uma delas ligou hoje do centro interior do país para me abrir as portas de uma comunidade. Essas notas de esperança iluminam um quotidiano que vejo cada vez mais cinzento.

Deixo-me aliciar por ela, porque sei que nem tudo o que queremos e compramos é pela sua funcionalidade, pela sua essência. Gastei-me demais na adolescência na procura dessa pureza, recusando tudo o que era adorno e concessão à futilidade. À conta de ter passado anos a recusar outra estética que não fosse a da natureza, nunca fui capaz de superar algumas das barreiras que impus a mim própria. Agora aprecio as cores dos telemóveis, as luzes e os toques, a configuração do écran...não que me fascine, mas já sou capaz de perceber que um objecto não é simplesmente uma coisa. Cada um tem a sua liberdade e eu construo a minha.

Talvez hoje possa adormecer com a paz que tem andado a fugir de mim, porque depois de me saturar de um assunto, costumo encerrá-lo para sempre. E costumo fazê-lo mesmo quando não há nada pela frente, sei que sou capaz de saltos no escuro, muito embora o escuro me pareça agora mais assustador do que alguma vez me pareceu.
~CC~

sábado, junho 13, 2009

Amigos


Tenho uma família grande, complexa, pouco convencional, e gosto muito dela. Não me importava de a aumentar mais e mais, se o pudesse fazer, escolhia certamente o João para meu irmão, não obstante saber que já tem duas maravilhosas manas. Parabéns meu querido amigo!


~CC~

quarta-feira, junho 10, 2009

A Europa do medo

A Europa é essa entidade abstracta que toma conta dos nossos dias sem que demos conta. Em tantas e tantas coisas é ela infiltrada naquilo que pensamos como políticas nacionais, pelas quais responsabilizamos os nossos políticos, pelas contas que a eles pedimos e que jamais lhe pediremos a eles. Já vi directivas europeias practicamente traduzidas para português intituladas como leis portuguesas.

Não ter votado nestas eleições não significou para mim o desprezo pela importância destas eleições, muito pelo contrário. Entre os abstencionistas pode haver muitas razões e vontades ou a total inexistência delas. No meu caso, foi mesmo a impossibilidade de fazer uma coisa por fazer, isto é, sem qualquer convicção. O branco seria mais coerente sim, não fora algumas impossibilidades. Mais à esquerda, o desprezo pela Europa é há muito conhecido e não o partilho. No meio, não brilhava nada, só havia mesmo o pior da política. A lista do PS mereceu perder de facto, e não se trata do primeiro ministro, mas mesmo da lista baça, gasta, cansada (com excepção de Correia de Campos, que dada a forma como saiu do governo nunca devia lá estar). À direita, os betinhos aprenderam com Paulo Portas a fazer campanha, e fizeram-na bem, afinal o povo não é assim tão intragável. Ficam muito bem numa Europa orientada à direita e talvez possam ter algum papel se barrarem a direita mais extremista que está a conquistar devagarinho o parlamento europeu.

E é o que mais me preocupa, a forma como suavemente, pouco a pouco, se verifica a infiltração no monstro europeu de um pequeno vírus- a extrema direita europeia. Como acontece com os vírus não podemos saber se estamos perante o sinal de uma epidemia ou perante um surto episódico sem mal de maior. Mas convém estar atento, muito atento. Ainda por cima para dominar a Europa hoje já nem é preciso invasões, guerras, exercitos. Gosto da Europa, tenho medo da Europa.

A política, no sentido convencional do termo, não é coisa sobre a qual normalmente me apeteça. Essencialmente falta-lhe poesia, rasgo e bravura.
~CC~

domingo, junho 07, 2009

O escritor e a cidade

Luanda, 2007




A Luanda de que ele fala é a mesma que vi há dois anos, num apocalipse de sentimentos. Tinha-a deixado era apenas uma menina e guardei-a anos a fio com a mais bela cidade do mundo. Imaginava que todo o tempo vivido entre a deixar e a reencontrar não tinha sido mais que um intervalo na minha vida.


O meu coração encontrou o caos assim que chegou ao aeroporto de Luanda. Em pouco tempo vivi o medo numa pensão barata do bairro do Congo (os cooperantes portugueses são arraia miúda), a incredulidade na gigantez dos musseques que cruzei a velocidade de picada num carro a cair de podre e esse luxo barroco dos restaurantes da ilha, em que as lagostas decoradas e o champanhe parecem saídos de um filme de mau gosto. Vi os carros mais caros do mundo lado a lado com a gigantesca lixeira da maior parte das ruas.


E sim, vi os prédios da baía guardados por seguranças armados, e subi a um deles para ver abrir-se diante dos meus olhos um apartamento arquitectónicamente belíssimo, do qual se avistava a fabulosa vista da baía da cidade, mas na maior parte dos dias não corria um pingo das suas torneiras.


Luanda, a cidade, é a baixa e meia dúzia de ruas num esplendor escondido que pode a todo o momento comover-nos com a sua beleza. O resto é o caos absoluto. Mas Angola é muito mais que Luanda, pode ser muito mais que Luanda.


Agualusa pode andar pelo mundo, mas é o escritor desta cidade, é como se atormentado ele visse pouco a pouco morrer o que ama, sem saber como estancar esse sangue que se esvai. Se eu ainda fosse angolana, seria certamente como ele.


Barroco Tropical, ver crítica em

quarta-feira, junho 03, 2009

dese(cantos)

O prédio é relativamente novo mas não há elevador, as escadas estão imundas e o lixo acumula-se no parqueamento. Mais de metade das casas ficaram por vender, o construtor faliu há dois anos. O construtor falido impugna com a sua maioria de votos todas as decisões que visam levá-lo a tribunal. O condomínio não tem dinheiro para sustentar o conforto minímo, a unica coisa que há, andar sim, andar não, é a luz. Não é África meus senhores, é mesmo uma cidade portuguesa, e por todo o lado há prédios em construção.

No escritório sabe-se que a diminuição do trabalho não afectará todos de igual modo, ainda assim há que chegue para continuar a laborar. Há propostas em cima da mesa para desenhar outras saídas para o mercado, mas a administração não lhes pega, não lhes dá seguimento. Ainda assim o escritório tem processos que cheguem para mais uns anos, trata-se apenas de mandar algum do pessoal embora. O tempo também está de feição, é assim a crise, uma verdadeira janela de oportunidades.

Na ponte Vasco da Gama dois acidentes, um a seguir ao outro, muita chapa danificada, mas condutores a salvo. Eles e mais uns quantos sem triângulo, sem coletes amarelos, parados na via atrás das viaturas em desnorte total. E risco acrescido de outros carros embaterem em cadeia. Praticamente todos falavam ao telemóvel.

Os noticiários cheios da renúncia do provedor de justiça. Não só o compreendi, como também tive inveja. Também queria declarar renúncia, anunciar bem alto alguns dos meus desgostos, chorar publicamente.
~CC~

terça-feira, junho 02, 2009

(en)cantos



Mourisca, Fevereiro de 2009

~CC~


Mulheres da minha vida (III)

..."há homens que precisam de mulheres bonitas ao lado para se sentirem socialmente confortáveis"

Deep, do blogue "letras são papéis"
Com um agradecimento pelo mote para a história...

Era hoje, sem dúvida um homem rico, na casa dos 50 anos. Acrescentava a esse património que por um lado era herdado e por outro era já uma conquista sua, uma capacidade inesgotável de trabalho e uma profissão onde a competência profissional, se habilmente gerida, podia criar fortuna. Não era nem bem nem mal parecido, nem bonito nem feio, nem gordo nem magro. Nunca se lhe tinha conhecido um casamento, nem uma namorada. Fazia, no entanto, questão de se afirmar como heterosexual, não fosse esse deserto de amor que parecia a sua vida, fazer crescer rumores. E é verdade, de vez em quando aparecia com uma namorada ou outra, quase sempre lindas, e de várias nacionalidades. Mas era nitído que não se encantava com nenhuma, e por isso tinha arranjado uma justificação social: era um eterno solitário à procura de uma princesa. E chegava a descrever de modo pueril essa mulher dos seus sonhos, uma mistura entre a filha de família e a Britney Spears, uma síntese provavelmente difícil de encontrar.


Um dia confessou entre os mais íntimos que tinha uma amante, que a tinha tido a vida inteira. Não sabia se a amava mas era feliz com ela como nunca tinha sido com mais ninguém. Ela compreendia-o, não lhe pedia nada, recebia-o entre duas viagens de avião, partilhavam o jantar, a lareira, a noite de amor. Os amigos imaginaram logo a amante como uma pobre coitada sem nada, inculta e com "casa posta" à moda antiga, uma vida de silêncio na sombra de um homem que não a assumia. Mas na verdade esta mulher não precisava nem financeiramente nem intelectualmente deste homem, era totalmente independente. Questionaram-no então: como é que duas pessoas que são felizes juntas não assumem tal relação. E então ele confessou: ela era da mesma idade dele e não era uma mulher bonita, estava longe de ser a sua princesa, a mulher que ele ainda procurava.


Tantos anos afinal e ele sem saber que já há muito a tinha encontrado. É assim o mundo de alguns homens.

~CC~