quinta-feira, novembro 06, 2008

Ausências e errâncias (VIII)

É hoje o dia do baptizado de Carol e André, os meus dois filhos, com diferença de apenas um ano um do outro. A igrejinha da Candosa está bonita, teve uma pintura nova e enchi-a de flores do campo que eu própria fui apanhar para os lados do Cabril. E estamos na Primavera, está um dia limpo e fresco.

Discuti muito com o padre e o meu único verdadeiro amor o baptismo destas crianças, virando ele a cara e desviando o olhar cada vez que eu lhe dizia que se ele os baptizasse seriam também um pouco filhos dele, os filhos que não tinham nascido do nosso amor. E quando ele me responde não há o nosso amor, ele percebe o quanto mente a si próprio. Durante estes cinco anos em que não voltei, escrevemos regularmente um a outro uma carta por mês. Cartas à moda antiga que o meu amor é um homem do mundo colado às tradições da sua aldeia. Inquieta-vos que lhe chame meu amor? Não é simplesmente como os outros, mas ele é a ligação mais forte que eu tenho a outro ser humano. O fascínio que tenho por este homem e o desejo que sinto por ele já são parte de mim, são o meu sangue.

Sim, é verdade que tive estes dois meninos loiros, fruto de uma grande amizade e de um respeito enorme pelo Peter, meu colega cientista. Nasceram lá longe, nos dias frios e chuvosos de Londres quando a mão dele era tudo o que me podia roubar à tristeza. Talvez o ame também, um outro tipo de amor, uma aragem fresca e doce como a que me chega hoje ao olhar o rio.

Daqui a pouco ele entrará nesta igreja, os seus olhos tão negros e brilhantes, serão mais uma vez o lume que nunca esquecerei. O amor, o amor é tudo isto, o que temos e o que nunca teremos, o que nos corre na pele e o que não correu nem nunca correrá.

Quando a cerimónia acabar, a senhora da Candosa estará sorridente, o seu padre nunca a deixará, e ganhará por momentos mais um menino e uma menina para enrolar no seu manto protector.

Eu estou feliz.

Fim
~CC~

1 comentário:

E. disse...

Muito, mas mesmo muito, bom. Tudo quanto um conto deve ter e a percepção exacta da alma humana.