domingo, janeiro 03, 2010

Outros balanços

Costumava procurar um lugar bem no meio do campo para nem sequer ver o fogo de artifício, aninhava-me aí com aquele que foi um amor de uma década, indiferente ao modo como o mundo festejava a passagem de ano. A alegria feita motivo obrigatório nunca foi o meu forte. Fui assim feliz nesses anos de escuro, de silêncio, de vida feita ao contrário das outras, anos de família colocada na linha de água. Agora chegaram tempo mais confusos, menos claros quanto ao que sei, quero e posso realmente fazer.

Ligo-me de novo à alegria e à tristeza como lugares de viver o início de um novo ano. Sou capaz de ter esta vontade de fazer um doce novo nesta época, pegar na receita da sericaia para fazer em casa o que tantas vezes fui à procura pelos restaurantes do Alentejo, pensar que serei capaz sem medo, como tantas vezes tive, de ser julgada na praça pública, mesmo quando ela é constituída pelos nossos. Sou capaz de ensinar às crianças, algumas quase adolescentes, a receita de filhoses da família, ver que este ano foram quase todas feitas por elas, num jogo lúdico que me diverte, mas no qual coloco também um sentido geracional, de passagem do testemunho. E sim, gosto de ver a casa cheia. Gosto da conversa que ainda acontece, de escolhermos um filme para ver em conjunto, de partilharmos as tarefas que assim nos cansam a todos menos. Gosto de nos sabermos juntos, de saber que gostamos uns dos outros assim.

Mas a família que é um lugar inequivoco de amor, é também um lugar de enorme preocupação. Nada nos pode doer mais que a incapacidade que sentimos para estancar os rumos menos bons daqueles com quem crescemos ou que vimos crescer. Nada nos dói mais do que a antevisão dos precípicios nos quais podem cair. E, no entanto, que direito temos de lhes dizer isso mesmo, de os julgar, de os avisar, de os impedir. A dúvida entre o que podemos e queremos dizer, entre o que podemos e queremos fazer, é por vezes imensa. Os erros pagam-se por vezes muito caro, apesar de fazerem parte da vida. Estes momentos, em que a vida quotidiana é de repente interrompida e as vozes de cada um não chegam via telefone ou internet, são assim momentos em que vemos os olhos inteiros dos outros. E sabemos, quando os abraçamos, que bate dentro de nós um coração com medo do que possa acontecer-lhes.
~CC~

3 comentários:

Anónimo disse...

A propósito, partilho convosco uma ideia que me tem empurrado na vida e que um poeta português, Manuel Parada, soube expressar:
Pensamento

Quanto mais penso
naquilo que posso e que faço,
mais me convenço,
que nada posso, se nada faço.

Feliz 2010!
eb

alexandrecastro disse...

adorei ler este seu texto...!
obg pela partilha
abraço
alexandre

via disse...

a preocupação pelos amados, aqueles que pensamos mais vulneráveis, é terrível mas a partir de um certo momento o que tínhamos de fazer já está feito, é seguir e tentar apoiar, mais nada parece ser razoável.bjo, bom ano, a alegria por convenção nã pode ser, concordo.