quarta-feira, novembro 25, 2009

Identidades

Durante muitos anos o meu oficio, variável como ele é, tinha uma constante, tinha que se fazer com pessoas. Era como se o meu respirar tivesse que ser permanentemente alimentado por outros sopros, e foi bom, por esses trilhos conheci muitas pessoas que me ensinaram coisas, e outras a quem julgo também ter ensinado. A escrita era esse momento de estar comigo e chegava-me. Por isso a investigação nunca me apaixonou por pressentir nela esse ritual dos solitários, esse enfiamento para dentro, via-os como gente cujo saber se fazia mais no escuro e muitas vezes com real dificuldade em partilhá-lo, em trazê-lo para a luz.


No jogo das identidades, julguei durante muito tempo que os pedagogos, esses sim, eram gente como eu, e nunca hesitei quando me pediam para me classificar, era aí que queria situar-me, talvez por me terem marcado tanto alguns deles. Via-os entre o pensar e o agir, ou a fazer o pensar agir, ou a agir pensando. E sempre, como nos primórdios, rodeados de gente a quem importava escutar e falar, passeando na pólis, ao modo de Sócrates. E sempre gostei muito da escola, das aulas, e dos corredores e gabinetes, onde as conversas se podiam fazer de forma mais aprofundada. E mais ainda de ver os alunos crescer, inseridos em projectos na comunidade, confrontados com os mundos que não vão à escola. Ainda o faço, e está na forja uma entrada na Educação pela Arte.

Mas há qualquer coisa a mudar em mim, assim como o rosto se está a transformar, assim o meu eu me mostra vontades até agora desconhecidas. Este desejo de recolhimento, de silêncio, de casa. Antes um dia passado em casa era um pesadelo, só o fazia se estivesse doente. Agora vejo passar velozes as horas diante de mim enquanto as tento apanhar. E não sinto nenhum tédio, nenhum anseio por gente, nenhuma angústia por vozes. Estou comigo, mas ao mesmo tempo não estou só, não me sinto só.
~CC~

5 comentários:

deep disse...

Como eu te entendo. :)

Sempre tive alguma tendência para o recolhimento e agora mais ainda. Por vezes, dou comigo a não saber o que dizer aos outros.
Ontem forcei-me a participar num jantar entre colegas. Ao contrário do que acontece muitas vezes, em que acabo por concluir que fiz bem em ter saído do meu casulo, senti que ter ido fez pouca diferença e que teria sido preferível ficar em casa.

Um abraço. :)

via disse...

faço minhas as tuas palavras, a vida social é-me cada vez mais penosa e o recolhimento uma necessidade.contrario-me um pouco porque sei que com os outros aprendemos e fugimos de algum ensimesmamento que não é positivo.

CCF disse...

Deep e Via, também vos compreendo...na vida sempre tive o desejo de gente e o desejo da solidão, em convivência mais ou menos pacifíca, tenho família grande e amigos com quem gosto muito de estar...mas no que ao trabalho diz respeito...esse tinha que ter gente lá dentro. Esta é talvez a única vez em que um dia de trabalho sem gente não me é penoso, e até sabe bem.
~CC~

JPN disse...

Como eu te compreendo! texto muito bonito. abraço

(+e engraçado, quando abri a caixa de comentários, era esta frase que vinha escrever. depois vi os outros dois comentarios, a dizerem o mesmo. despertas a
empatia que há em nós )

CCF disse...

JPN, empatia é palavra forte e bonita, obrigado!
~CC~