terça-feira, dezembro 02, 2008

Ponte dos milagres (IX)


Perguntei-lhe, em desespero, quem era o responsável pelo rapto da menina. E ele tapou o rosto com as mãos e ficou assim um bocado. Depois levantou-o, olhou-me nos olhos e disse: sou eu. Ao contrário de aceitar a verdade que ele me queria dar, não acreditei. Fui dizendo que tinha sido uma mulher e não um homem, uma mulher envolta em panos negros, uma mulher desesperada.

E ele foi dizendo que não tinha sido uma mulher mas um homem desesperado. Contou como tinha proposto a compra das vestes a uma mulher cigana no mercado, como tinha estudado por vários dias o hospital fingindo ser um electricista, como tinha visto por várias vezes o modo como o povo cigano impunha respeito nos hospitais. Contou da compra da peruca de cabelo preto comprido, dizendo que era para o Carnaval. Foi falando de como a ideia o tinha torturado desde aquele Inverno em que a mulher se tinha encostado a ele num beijo doce até à madrugada do dia de Primavera em que a tinha deixado na Ponte da Mizarela, de como a tinha deixado à espera de um milagre.

Contou como tinha escolhido o bebé, como o tinha segurado com muito cuidado e posto por baixo dos panos, segurando-o como se fosse uma barriga grande. Falou do medo que tinha sentido, bastava um choro e tudo se tinha descoberto. Mas o bebé não chorara, parecia até gostar do aconchego e só quando o pusera dentro do berço no carro ele tinha dado sinais de vida. E a sua mulher também não desconfiara de nada, aceitando dos seus braços a menina, sem uma pergunta ou sequer espanto. Tudo isto ele afirmou sem culpa, como se tivesse simplesmente cumprido um designío, como se a emoção que o alimentou e agora enforma a sua razão, o fizesse inocente.

Que fazer, o que deveria eu fazer com este homem?


~CC~

2 comentários:

Anónimo disse...

Afinal, isto é uma história de amor...

conta mais, conta...

inominável disse...

não faças nada com esse homem... faz-lhe tudo.