O meu rosto está lentamente a cobrir-se de rugas. Primeiro foram só uns fiozinhos à volta dos olhos, mas agora desataram a aparecer por todo o lado. Mas não é por isso que estou a envelhecer, há qualquer coisa outra. É o modo como os sentimentos andam sempre muito próximo de aparecer, como o mundo se torna pesado de repente ou tão leve que acho que vou voar com ele para outro sistema solar. Dantes achava que era isto ser mulher mas agora que conheço melhor as mulheres acho que é por estar a envelhecer. Também achei que era por eu ser Almar, esta espécie de pertença a uma tribo andarilha, mas há muito que me perdi deles. É por eu já ser velha, velha como as palmas das minhas mãos que parecem de 90 anos com tantas linhas cruzadas e desalinhadas.
Tenho, como os velhos, uma visão distorcida do real. As pequenas coisas parecem-me enormes e as grandes parecem-me tão pequenas. É o modo como me entusiasma uma coisa bem feita pelos meus alunos nos múltiplos contextos em que os vou ver, acompanhar, observar. É o modo como me enterneço com a minha filha a entrar na sala da formação com os cabelos molhados da piscina e os olhos líquidos de sol, desligada do mundo e feliz. É ter vontade de chorar quando sinto genuíno um abraço dado por alguém que não via há dez anos e conheci ainda uma miúda a tentar afirmar-se no trabalho e hoje me aparece assim tão crescida, tão sabedora. É ter vontade de chorar porque hoje, de carro imobilizado junto a uma passadeira, a mãe que a atravessava com o filho pequeno parou a meio para dar um beijo na criança que levava pela mão e esta se encolheu e riu arrepiada. É ter saudades de gente que mal conheço só porque um dia me disseram ou escreveram qualquer coisa que me tocou especialmente.
Tenho, como os velhos, uma visão distorcida do real. As pequenas coisas parecem-me enormes e as grandes parecem-me tão pequenas. É o modo como me entusiasma uma coisa bem feita pelos meus alunos nos múltiplos contextos em que os vou ver, acompanhar, observar. É o modo como me enterneço com a minha filha a entrar na sala da formação com os cabelos molhados da piscina e os olhos líquidos de sol, desligada do mundo e feliz. É ter vontade de chorar quando sinto genuíno um abraço dado por alguém que não via há dez anos e conheci ainda uma miúda a tentar afirmar-se no trabalho e hoje me aparece assim tão crescida, tão sabedora. É ter vontade de chorar porque hoje, de carro imobilizado junto a uma passadeira, a mãe que a atravessava com o filho pequeno parou a meio para dar um beijo na criança que levava pela mão e esta se encolheu e riu arrepiada. É ter saudades de gente que mal conheço só porque um dia me disseram ou escreveram qualquer coisa que me tocou especialmente.
É o modo como uma coisa grande como esta última crise despoletada pelos caminonistas me parece tão pequena. É o modo como a recusa do tratado no referendo irlandês me dá vontade de rir, não devia. É o modo como no trabalho só me interessa a minha própria actividade de docência e os projectos a que me ligo e de que efectivamente gosto, ficando tudo o resto a importar-me tão pouco, não devia. É o modo como gosto de olhar para o mundo com a calma de quem olha para uma noite escura mas pontuada de mil estrelas, é ficar a pensar nela muito tempo. É o modo como preciso de compreender tudo e me custa tanto opiniar, como se o tempo das certezas se tivesse ido de vez, de vez para não voltar mais.
Envelheço, os olhos no meu rosto já não brilham da mesma maneira.
~CC~
10 comentários:
Todos nós envelhecemos CC e habituamo-nos a relativizar as coisas olhando-as com o coração, como tão bem o descreve nos seus textos, com os quais fico sempre comovida.
Quanto às rugas, olhe ainda bem que as temos, são como as impressões digitais, nossas, e intransmissíveis, fazem parte de um processo que deve ser aceite não como uma fatalidade,mas como uma marca indelével da nossa experiência de vida.
Eu gosto das rugas das pessoas, assim como gosto dos seus sorrisos, fazem-me acreditar, não terem medo das suas emoções.
Abraço. Clo
Maturidade!! Não velhice! Que maravilhoso texto escreveste, que ternura! Estás a ficar sábia:) e os olhos brilham por dentro. Bjs.
Rugas!?
Não brinques connosco! Podes enganar apenas quem não te conhece!
Descontando isso... adorei o texto.
Bjs
João
Lindo. Com L de lágrima que também é coisa que vou aprendendo no envelhecer.
Boa noite
Beijo
*jj*
"Envelheço, os olhos no meu rosto já não brilham da mesma maneira." - Fantástica esta frase.
Bjs
Bonito.Julgo que se não estivesses a envelhecer, aliás a amadurar, não o escreverias assim deste modo magnifico.
Abraços para os rapazes e para as raparigas, todos vós de que gosto tanto, alguns que nunca vi, mas que há me habituei a ter aqui.
Apicultor, bem vindo aqui. "Amadurar", só mesmo um homem da terra para dizer isto assim de forma tão bonita, é isso mesmo.
~CC~
Eu não quero ser chata nem repetitiva, mas eu gostava mesmo de ser como a professora quando crescer!
Mas... os seus olhos brilham... de tantas maneiras!:) :P
Beijinhos,
Madalena.
Isso não é envelhecer, Carla, é amadurecer, o que é bem diferente e bem melhor.
Não, os olhos não brilham da mesma maneira porque já se viu tanto, mas brilham! que é o que importa.
beijinho
Madalena e Minucha, são outros brilhos mais difíceis de ver, agora só alguns os descobrem, quando era mais nova achava que por vezes transportava o próprio sol. Beijos às duas.
~CC~
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