segunda-feira, janeiro 21, 2008

No tempo das princesas sós (IV)

Imagem captada em http://dias-com-arvores.blogspot.com/2006/09/funcho-martimo.html

Artemísia era uma das raparigas mais tímidas do grupo de aprendizes de mestras, a sua voz nunca se ouvia e os seus olhos baixavam amiúde sobre o seu colo redondo. Escrevia, no entanto, como nenhuma outra. Um dia, o homem velho que lhes ensinava literatura com paixão, suplicou-lhe que lesse um dos seus poemas em voz alta. O silêncio era tanto que a respiração de cada um deles se podia ouvir a envolver a voz dela. Era um poema sobre o mar. Quando acabou de ler, dois factos tornaram aquele momento inesquecível: o professor aplaudiu e as suas palmas ecoaram por toda a sala como uma tempestade; as lágrimas corriam pelo rosto de Hipiricão.


No dia a seguir Artemísia não veio à escola e Hipiricão desapareceu. Curiosamente também Funcho, o jardineiro alto e musculado que cuidava das rosas não veio mais trabalhar.


Depois do silêncio que elas guardaram durante uma semana inteira, Perpétua falou.


Mostrou-lhes o búzio grande que Hipiricão lhe tinha dado e a frase enrolada que ele tinha lá dentro e que ela levou muito tempo a conseguir tirar. Perpétua leu alto aquela frase para si durante todos os dias daquela semana: um dia vou levar-te a ver o mar.


Rosa desdobrou então o seu lenço bordado de cerejas e mostrou o que Hipiricão tinha escrito a tinta da china dentro de uma delas: os teus lábios são assim.


Devagar Lucilima tirou do bolso um anel tosco feito de madeira enrolado em folhas de plátano e entre as folhas verdes uma era branca e de papel, não obstante o recorte idêntico. Na folha branca bailavam as letras que diziam: casaremos no bosque ao crepúsculo.


Tília procurou até encontrar dentro da sua mala de mil coisas. Tirou então de lá a caixa de música de onde saltava a bailarina de sapatilhas douradas que girava sem cansaço até o silêncio chegar. Por baixo da caixa estava gravado: como ela, sou teu.


Nenhuma quis chorar diante das outras o modo como o amor se tinha tornado escuro e frio. Perpétua avançou com a ideia: não diremos mais o nome dele, não deitaremos lágrimas. Rosa seguiu o rumo: escavemos um buraco e deitemos lá para dentro todas estas coisas.


E dentro da terra morreram para sempre frases que nunca quiseram, não puderam compreender.
(cont)

~CC~

1 comentário:

Anónimo disse...

É muito belo este texto, muito..

Se gosta de plantas e com elas dialogar ou inspirar cuidar ou do onírico visite quando o rei era sabão há lá muito para ver ... pergunte pela Noiva do Campo Mil... cordialmente