quarta-feira, janeiro 02, 2008

Ainda as prendas e os desejos


Desenho de Gémeo Luís
Retirados de: http://www.casjm.com/conteudo/expanteriores/c_gluis.html


Ainda trago comigo os restos da festa. Pensamentos em torno das prendas e das passas.

Não gosto de classificar o que é melhor, ou dizer sequer " o melhor" (uma moda que já chegou aos blogues, presos de todo o tipo de concursos). Mas de dizer "gosto muito", repetir e repetir "gosto muito".

Gostei muito de receber a primeira edição do João sem medo, viu ela primeiro o mundo que eu, uma vez que saiu fresquinha em tinta em 1963. O poeta é o meu primeiro poeta, o primeiro livro de poesia que tive foi o dele, uma edição antiga de capa azul que perdi na mudanças de casa. Não há herói mais anarquista, mais tonto, mais humano que o João sem medo, sobretudo porque ele tem medo. E depois porque a sua luta é tão grande que ele apesar de não capitular, mostra fraqueza e descansa de quando em quando. A cena final em que exausto de tanto batalhar para que o seu povo não chore tanto e faça mais pela vida, ele pede à mãe que lhe faça um jantarinho e ela a chorar lhe faz bacalhau demolhado e lhe diz para se conformar, representa esse riso amargo com que se coze o bom humor. Não há utopia sem mácula, não há herói que não chore ou, neste caso, que não se renda a um bom bacalhau cozido (eu rendo-me todos os Natais, não obstante as notícias sempre preocupantes que nos chegam do mar do Norte). E gostei da atenção que se depositou como um abraço quente nesta procura da primeira edição da obra, é que as prendas não são só papel e laços, elas também nos embrulham.

Já custa mais abraçar as passas em desejos numa altura que há tanta gente para abraçar. Mas conheço quem tenha, nos seus onze anos, resolvido isso com tranquilidade. Primeiro: como não gosta de passas, só comeu uma. Claro, uma pode valer doze. Depois mesmo só para uma, não desejou nada, esqueceu-se. Que magia podem guardar as passas além de nós, das nossas mãos de criar e fazer desejos?

Gostei muito.

~CC~

7 comentários:

Anónimo disse...

só para te dizer que "gosto muito" deste teu texto e que este fim de ano descobri a beleza que os 11 (neste caso 12 anos) podem ter ao desejarem apenas a felicidade de um momento!
Um bom ano para ti cheio de palavras lindas e doces.
Carla

A OUTRA disse...

Adorei este poste!
Até porque também eu não comi as 12passas mas desejei com toda a minha alma que muitos de 11 e 12 anos tivessem passas para comer e pedir desejos.
O futuro é deles, nós temos de os ajudar.
Um Bom Ano
Maria

Gregório Salvaterra disse...

Comi as doze passas sem medo, convencido de que já trago uma estação no bolso.
Gostei muito. Mesmo muito.
Beijo
*jj*

CCF disse...

É uma coisa tão irracional não é, esta dos desejos atirados para as passas?! E quando nos habituamos, parece que não podemos largar o ritual, já as meninas de doze anos oferecem-nos a liberdade de passar sem ele...muito embora, como diz a Maria o futuro seja afinal deles e a menina deva ter desejos, mesmo sem as passas. Abraços três :)
~CC~

João Torres disse...

E eu, para não variar, gostei muito deste teu texto!

Um forte abraço (o primeiro de 2008)!

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

Claro!!!
Em vez de andar aí a magicar desejos para pedir...
Entreguei-me á minha passa de braços abertos e deixei que ela desejasse por mim.
O que será que a marota pediu?

Beijinhos ~AF~