quarta-feira, abril 04, 2012

Os mais velhos

O mundo tem abandonado mais e mais aqueles que envelhecem. Esses sem acesso à Internet, sem dedos para as máquinas que cospem bilhetes no metro, nos comboios e até nas portagens, sem olhos para ver nos écrans os horários das partidas e das chegadas, para consultar os mapas e avisos em letra pequenina que inundam as cidades. Só a publicidade usa letra grande. Ninguém se lembra que as capacidades mais correntes vão diminuindo com a idade. Os serviços do Estado são os primeiros a abandoná-los.


Ontem um senhor, na casa dos 65, queria obter uma declaração da caixa geral de aposentações na loja do cidadão de Faro. Mas só há duas lojas que têm delegações da CGA: Lisboa e Porto. A funcionária dizia que era simples obter a declaração via Internet, coisa que obviamente o senhor não tinha. Solução: ir a Lisboa, isto para obter uma simples declaração. Igual para a minha mãe, cuja pensão não chega há três meses. Tirando a Internet, existe a solução dos anos 1980 - ir a Lisboa. Parece simples, excepto quando a pensão é diminuta e se tem 83 anos. Para que lhes prolongámos a vida se a vida que lhes damos nada mais é do que um simulacro?

Não acabaria aqui esta história, tenho muito mais. No outro dia organizei com os meus estudantes um lanche com idosos. Disse-me o responsável pelo grupo que não poderia deixá-los chegar à mesa e tirar o que queriam. Teria que organizar mais ou menos uma merenda para cada um, como se faz com os miúdos muito pequenos. E disse-me em voz baixa e quase envergonhada que tiveram que aprender a fazer assim no Centro de Dia. Os problemas eram vários, entre eles, os idosos que levavam a mala/saco para colocar lá dentro a comida que tiravam da mesa e lhes servia depois de jantar. A contenda em torno do que cada um comia a mais do que o outro. A dureza da vida miserável a incentivar os sentimentos mais mesquinhos.

~

As pessoas vivem, contudo, em média, mais vinte anos do que antes viviam. Mas que vinte anos são esses?

~CC~

1 comentário:

deep disse...

Penso nisso muitas vezes, quando vejo idosos desorientados em certos serviços e ocorre-me que deveria haver, em cada um desses serviços, voluntários ou jovens trabalhadores em part-time para os ajudar.

Um abraço aqui do Norte. :)