sexta-feira, maio 07, 2010

Coisas sem nome

Primeiro ergueram as colunas, que pareciam frágeis. Depois colocaram à volta delas uma espécie de armaduras, intrigantes porque não lhes detectavámos a função. Ele disse que eram andaimes para trepadeiras. Eu achei que eram um apoio essencial para lhes manter a estrutura débil. Hoje tiraram-nas, não passaram afinal de uma estrutura passageira para ajudar a consolidar o cimento.

Somos assim, imaginamos sempre o que vai ser, não aguentamos não saber, não ter nome para as coisas. Se elas não têm nome, é melhor que morram para não nos acordarem angústias. Há poucos dias, C na mesa do café, povoada por casados e solteiros, todos de estatuto definido, perguntava-me, e tu o que és? E secou-me estranhamente a boca. Devia ter-lhe dito o quanto destesto jantares de casais, ou saídas de mulheres sós, o quanto detesto compartimentos estanques, casinhas. Dizer-lhe o quanto foi difícil ao longo da vida viver fora das categorias, às vezes só sobreviver fora delas. E é verdade que as experimentei, já tive uma aliança no dedo e um papel passado a designar outro estado civil. E, no entanto, a felicidade dentro delas não passa muitas vezes de um simulacro.

Fico portanto do lado das coisas sem nome, as coisas que são só coisas, ou para as quais invento eu os nomes.
~CC~

3 comentários:

deep disse...

Como te compreendo... Bom fim-de-semana. Abraço. :)

Gregório Salvaterra disse...

E eu que tanto gosto de dar nome às coisas e aos dias...
Hoje, por exemplo, já é dia de abraços...
Bj
*jj*

R. disse...

De facto, o único e real significado das coisas é o subjectivo. Não são as palavras, nem as categorias, necessariamente limitadas por um conjunto (indispensável) de convenções rígidas e estereotipadas. No final do dia, é o significado individual que determina a forma como nos sentimos.
Gostei muito desta reflexão. Lembrou-me uma outra: "O nome das coisas" de Sophia de Mello Breyner.