sábado, fevereiro 20, 2010

Enrolar-me (II)

Uma vez um miúdo num jogo que eu fazia em torno dos nossos objectos mais belos, aqueles que amamos por uma razão especial, fugiu ao trivial das respostas que indicavam a consola, os ténis de marca e a bola assinada pelo jogador x, e apesar de ser rapaz, disse que o objecto que mais amava era o sofá lá de casa porque era onde se sentavam todos juntos. Foi a única resposta dirigida a um objecto colectivo, onde o amor era o encosto dos corpos uns nos outros, esse calor cúmplice.

Talvez por nunca me ter esquecido desta frase ao longo dos anos, comprei um sofá grande para a minha sala pequenina. E ontem tive mais uma vez a certeza de que tinha feito bem. Debaixo da manta azul, muito encostadinhas uma na outra, partilhámos um zapping pelos muitos canais que agora há. Fiquei espantada por haver programas sobre restaurantes e concursos de decoração de quartos, mas na verdade nada daquilo que víamos tinha muita importância. Importante era o calor cúmplice dos nossos corpos encostados, a intimidade que só é possível com alguém que conhecemos muito bem, aquela certeza de que o amor é também feito destes momentos de nada fazer, de estar apenas ali sem palavras que tenhamos que dizer, nem obrigações a respeitar. Há também uma zona de amor assim entre os amantes, quando o calor que acendem um no outro não é apenas o do sexo, é tambem o corpo do outro encaixado na zona quente da nossa pele. E há quem saiba, e há quem não saiba.

Mas a miúda sabe, apesar de eu não ter tentado ensinar-lhe.
~CC~

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