Chamei-lhe "A edificação do amor"
(Por E., do SUL)
"Pegue-se então na história da Maria e do Sebastião, chamemos-lhe assim, que durou uma Primavera apenas, mas podia ter durado muito mais e ter acabado por vários motivos:Imagine-se que a Maria tinha tido uma doença grave e morria no Verão seguinte, ou que o Sebastião, numa tentativa de prosseguir os seus estudos superiores, passava a estudar de noite e, no regresso das aulas tinha um acidente de viação. Ou ainda que, a meio do curso de Sebastião, este se apaixonava por uma das suas colegas, vinte anos mais nova que Maria.E o contrário também era possível: ambos partiam para a grande cidade, onde viviam o seu amor no meio do anonimato, ou mudavam apenas para uma terra mais próxima, onde viviam em segredo o seu amor, dentro de quatro paredes, sem o apresentar ao mundo. Ou ainda, anos volvidos, passariam a encontrar-se no dia do aniversário dela, numa pensão à beira-rio, até que ela deixasse de poder fazer a viagem e ele passaria a visitá-la no lar da terceira idade onde a velhice de Maria decorria e, posteriormente ainda, na sua sepultura no cemitério novo da aldeia.E até aqui só fizemos o que gostamos sempre de fazer, no cinema e na literatura, que é analisar as personagens em estado (muito) puro, sem as contingências de um mundo à sua volta. Mas pode dar-se o caso de a mãe de Sebastião lhes fazer a vida negra e o seu amor não resistir a isso. Ou de o ritmo de vida que se desenrola no casal os tornar incompatíveis. Às vezes umas meias rotas, uma ruga nova, que não a primeira, nem a segunda, mas a quarta ou a quinta, ou até meia garrafa de vinho a mais por noite são suficientes para a avalanche que precipita um fim. Noutras vezes, nada consegue partir uma relação. O marido condenado a uma prisão durante vinte anos, aquele que emigra para o outro lado do mundo e visita a sua família uma vez por ano…
Não está em causa a medida do amor, mas a forma como foi (ou não) edificado. Amor e uma cabana, ou a fantasia da ilha deserta, são uma realidade não estruturada do amor. Esta surge ou desaparece (por falta de condições externas ou interiores das pessoas que viveram aquela relação) com a envolvência social, com o peso da sociedade, da família, das forças contrárias àquela relação. Não está em causa a qualidade da pessoa ou das pessoas, mas apenas uma capacidade de naquele caso concreto, conseguirem em conjunto superar uma dificuldade que, ainda que sendo apenas de um, se torna de ambos.
Voltemos então à Maria e ao Sebastião: nenhum deles viveu “infeliz para sempre” por causa do amor, mas tão somente porque não conseguiram estruturar uma relação que se antevia como boa para ambos, ou porque um tempo que foi bom terminou e nenhum deles estava verdadeiramente preparado para isso. Repara que podem ter antevisto ainda as dificuldades porque iriam passar e nenhum quis enfrentá-las. Anos mais tarde, podem, um ou ambos, achar que tudo podia ter sido diferente e, sopesando o passado, não conseguirem ultrapassar o peso de uma decisão tomada lá para trás. Estamos no campo da liberdade individual de cada um (e nem sempre, numa relação a dois existe escolha para ambos), na livre escolha, que naturalmente gera consequências. Nem sempre as pessoas estão preparadas para viver com essas consequências. Eis o que se pode lamentar, mas nunca o amor, pois não?"
(Obrigado E, por tão interessante resposta, por tão interessante pergunta).
~CC~
Sem comentários:
Enviar um comentário