quinta-feira, outubro 01, 2009

Quotidiano

É verdade que deito as cartas para o lixo sem sequer as abrir, há muito que sei que são quase todas facturas de serviços vários e muita correspondência multi variada do banco, e não me interessa nada saber o que têm a dizer. E por causa disso nunca me tornei caixa azul nem rosa nem nada. E não tenho PPRs nem certificados de aforro nem qualquer investimento. É também verdade que deito fora os recibos quase todos, sem me lembrar de os guardar para o IRS, sejam eles de farmácia, de hotel ou de livros. E sou inevitavelmente enganada porque me vendem coisas quando ando no supermercardo, no intervalo das aulas, a meio do caminho para uma escola qualquer, na volta de uma viagem. Ligam-me da Toytota, do ginásio da esquina, das promoções da churrasqueira e quase todas as semanas da TV Cabo. Finjo que os oiço enquanto escolho as melhores alfaçes, faço rabiscos nos cadernos, mexo o estufado, leio entrevistas e outros materiais de trabalho. Digo sempre não.

A não ser quando digo sim porque já disse tantas e tantas vezes não que tenho pena deles e de mim. Assim venderam-me uma caixinha mágica dessas que têm mil canais e permitem andar para atrás e para a frente e depois falar sem parar de telefones fixos e fazer infinitos downloads. Quando o funcionário chegou com mais de uma hora de atraso estava mais ou menos furiosa, tinha teste de Inglês dali a pouco e estava cheia de pressa. Quando o vi nem queria acreditar na criatura de Fellini que me acontecera: umas lentes hiper graduadas que escondiam um olho para cada lado, acompanhada de algumas dificuldades de articulação e um andar muito tropêgo. E só me pedia desculpa e muita desculpa e uma chance para ficar pelo menos 10 minutos que depois voltava noutro dia: "minha senhora à hora que quiser, no dia que quiser". Ficou meia hora e voltou dois dias depois para mais uma hora de trabalho.


Ensinou-me muitas coisas no tempo que aqui passou. Ensinou-me que nunca devia ter comprado a dita caixinha porque a minha TV era tão antiga que não servia de nada ter uma coisa moderna como aquela...e que assim que pudesse devia mudar para um plasma. Ensinou-me que todas as tomadas da minha casa estavam desajustadas e cada uma tinha uma voltagem diferente. Explicou-me que a minha ligação da TV Cabo estava ligada para o andar de cima, apesar do meu ser o último. E ainda que todo o processo que os colegas tinham feito estava errado, porque ligaram aquilo como se a seguir a uma feijoada se comesse um cozido (fiquei a pensar muito nesta metáfora).


E no final disse-me que não havia muitas clientes como eu, disse "gostei mesmo da senhora" e deixou um telefone para eu ligar caso tivesse problemas com o serviço, que nem hesitasse que ele viria logo. Nunca disse o nome, mas quando ele saiu fui ver o que tinha rabiscado na folha. E lá estava o seu nome biblíco seguido de telefone. Acreditem que isto não foi um sonho nem ele era um espiríto.
~CC~

6 comentários:

via disse...

também me parecem fantásticas estas pessoas que percebem de ligações e canais e essas geringonças informáticas, talvez porque não percebo nada e confie cegamente na sua boa fé. A próxima despesa é o plasma? Lá terá de ser...porque isto não pára...

CCF disse...

Via, pois é...mas somos mais facilmente enganados, mais saber é em muitos casos também mais cidadania. Por isso gostava às vezes de ser diferente! Não me estou a ver a comprar um plasma, sinceramente...:) Mas há sempre alguém que resolve um dia suprir estas minhas anacronias.
Abraço,
~CC~

Gregório Salvaterra disse...

Ai se o pai natal sabe destas conversas!...
Pode ser um LCD?
Beijo
*jj*

blue disse...

delicioso.

(ainda assim, é melhor rever com urgência a instalação eléctrica. às vezes, pode originar um incêndio)

Anónimo disse...

Compreendo muito bem! todos somos um bocadinho incoerentes...levamos anos a dizer não aos maçudos que nos telefonam por tudo e por nada, resistimos com nãos veementes á compra do plasma e á substituição do velho ferro de engomar por uma máquina a vapor e mantemos o velho frigorifico e a máquina de café sem pastilha, CONTRA O CONSUMISMO. Mas depois, um dia a mente está fraca, o coração carente e há umas caixinhas mágicas que apelam ao nosso imaginário e pronto! não aguentamos mais e cedemos aos contos de fadas.Eu ainda não cedi mas estou na corda bamba, não tarda estou a ver-me embrulhada nessa complicação toda...
EB

CCF disse...

JJS, o Pai Natal já lerá blogues?
Blue, tens toda a razão, é que tens mesmo!
EB, é mais ficar contente com o contentamento deles do outro lado da linha, é uma parvoíce...mas às vezes dá-me isto.
~CC~