segunda-feira, abril 20, 2009

Infância

A Cristina fala-nos do frio da sua infância. Ainda que resistindo à deformação profissional de situar na nossa infância a construção definitiva do nosso eu, na medida em que crescemos ainda muito pela vida dentro, não posso deixar de dizer que a infância nos habita para sempre.

No meu caso que nunca tive frio na infância, ele vem acompanhado de uma debilidade dolorosa que foi a minha transição de Àfrica para Portugal. O frio é a minha própria memória da dor. Nunca tive vontade de branco neve, nunca senti belas as tardes escuras de Inverno e chuva, nunca tolerei na minha pele todos os agasalhos que tive que usar. E saltam da minha boca palavras que nunca pensei usar. No outro dia chamei entre amigos morte lenta ao empregado que era manifestamente demorado e parecia detestar o que fazia. E mal as palavras voaram da minha boca já me tinha arrependido de tal ofensa, mas a verdade é que eram esses os termos que o meu pai usava para se referir ao empregado de um café onde costumavámos ir. Esta noite, no meu sonho, conduzia um machibombo de dois andares pelas ruas que eram tanto Lisboa como Luanda, numa mistura só possível quando temos dentro de nós duas cidades amadas. E não era autocarro que lhe chamava, mas sim o meu machibombo...e levava nele os meus amigos a casa como se esse fosse afinal o meu ofício.

A nossa infância é o nosso continente interior, prestes a explodir ao menor impulso.
~CC~

4 comentários:

Mar Arável disse...

É verdade o que retem na memória

mas cada dia

construimos memórias

e amanhãs

Joana Lopes disse...

Somos duas. Nasci em Moçambique e vim de lá com 9 anos. Sim, o frio e a falta da árvore de Natal na varanda. Aliás da própria varanda, já que aqui todos viviam em camadas, sem jardins e sem varandas.

deep disse...

Guardo da infância as dores nas pontas dos dedos das mãos e dos pés, as manhãs de geada intensa, os campos cobertos de neve imaculada que nos impedia de ir à escola, mas também as noites de calor insuportável.
Como actualmente os Invernos são menos rigorosos e as casas mais confortáveis, é fácil preferir o frio ao calor.

:)

CCF disse...

Mar Arável, concordo sim...mas o futuro tem também a marca do passado.

Joana, não esquecemos nunca :)

Deep, o que tu achas leve eu continuo a achar rigoroso, o Inverno faz-me sofrer.

Abraços três,
~CC~