Beijei o meu marido naquele dia de Inverno, a sonhar com o dia em que a Primavera chegaria. Depois desse dia ficou entre nós mais vivo o amor. Lembro-me de o ver passar para a oficina de madeiras ainda muito jovem, na sua motoreta preta, a fazer contraste com o capacete branco que usava. Tem sido um marido exemplar, mas fala muito pouco. Eu, pelo contrário, sempre gostei de cantar, de bailar, de brincar, sempre fui alegre. Uma vez, num baile de Verão, consegui que viesse dançar comigo. Tinha os pés tão presos ao chão que acho que fui eu que o conduzi, mas vi que o seu sorriso tímido escondia um homem bom. No dia seguinte veio trazer-me uma rosa e disse baixinho: tirei-a da estufa do avô Manel, ele nem deve notar. Nesse momento, senti muita ternura, e apeteceu-me casar com ele.
Nestes dias dificeís em que aqui tenho estado presa neste cubículo escuro, ele tem vindo sempre, nunca me abandonou. Imagino que tenha cuidado da nossa menina, essa benção que me foi entregue pelo raiar de uma manhã de Primavera. Imaginava que a tinha recebido das mãos de Deus, mas parece que não foi assim, parece que afinal foi o Diabo que ma entregou, mas eu não tenho culpa, não sabia que tinha que lhe dar a minha alma em troca.
O advogado disse-me que eu teria que confessar que a tinha roubado no hospital da cidade, mas eu nunca poderei confessá-lo porque não é verdade, eu não entrei em nenhum hospital para a roubar. Ele diz que estão gravadas as imagens de uma mulher coberta de panos pretos como se fosse uma cigana e que o rosto mal se vê, mas que só posso ser eu. Eu não sei explicar mais nem melhor, mas o desconhecido que na ponte da Mizarela me entregou a criança, estava coberto de panos pretos. Achei normal que ele se quisesse encobrir, porque os milagres são assim mesmo: uma luz ou uma sombra.
~CC~
2 comentários:
fazedora de milagres!
Tu!.
bom dia.
______________azul azul rão azul.
beijo.
A tua escrita está estratosférica. Por favor mantém-na assim, cada visita é um prazer renovado.
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