segunda-feira, outubro 06, 2008

Homens e bichos (XIII)

Durante muitos dias eu pensei que o meu vazio ia chegar ao fim, mas ele só se tornava maior a cada madrugada, a cada crespúsculo. E se a princípio achei que era uma loucura poder tornar-me numa ave, essa ideia passou a ser para mim uma obssessão. Imaginem que podem voar, que podem tornar-se num pássaro, mas que mantêm um olhar humano sobre o mundo, imaginem que são um ser de fronteira, capaz de falar duas linguagens: a dos homens e a dos animais.

Além dessa curiosidade imensa sobre a minha possibilidade de transformação num outro ser, havia ainda a possibilidade do amor. Eu já a achava linda e era ainda um homem, imaginava como a poderia ver com olhos de pássaro. Foi, no entanto, preciso que o Outono chegasse e com ele a tristeza das árvores nuas, o frio a entrar-me nos ossos, o dia a descer cada vez mais depressa para a noite. Foi preciso a tristeza habitar o meu corpo como se fosse a minha própria pele. Senti então o que ela me tinha dito como a condição da minha transformação: a dor intensa, o profundo desejo.

O azul do céu é agora riscado pelas minhas asas negras brilhantes. Ela muito branca, eu muito preto, somos um maravilhoso casal de aves a dançar entre as nuvens.

FIM
~CC~

1 comentário:

Gregório Salvaterra disse...

Hoje é dia de voar.
Beijo
*jj*