domingo, outubro 19, 2008

Ausências e errâncias(III)

- Mas diz-me, antes de ele ser padre, foram namorados?
- Nunca fomos namorados, acho que ele nunca teve uma namorada. Mas aconteceu qualquer coisa sim.
-Qualquer coisa que nunca esqueceste...
- Chovia muito nesse crepúsculo de Outono e sem queremos afastámo-nos muito da aldeia, movidos por uma estranha energia que nos levava a querer andar mais e mais. Perto do Cabriz, já encharcados, procurámos o moinho velho. Quando somos novos nunca temos frio e raramente temos medo, de modo que tudo aquilo nos divertia. Sei que pensas que se seguiu o que não se seguiu.
- Confesso que o cenário me parece muito propício...e quantos anos tinham?
- Ele tinha dezasseis e eu quinze.
- Se tivesse acontecido eu poderia esquecer, mas não aconteceu.
- Não aconteceu nada?
- Aconteceu sim. Ele pegou na minha mão esquerda e limpou com um beijo cada gota de água que escorria dos meus dedos. Depois fez o mesmo à mão direita. E quando eu ia retribuir-lhe com uma festa no rosto, parou o meu movimento em pleno voo e disse que tinhamos que voltar imediatamente porque a tempestade ia piorar. Diz-me, há muitos homens que nos tocam, mas achas que se consegue esquecer um que nos beija cada um dos dedos com tamanha devoção?
~CC~

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