quarta-feira, outubro 15, 2008

Ausências e errâncias(I)

- Olha bem lá para baixo, vê como é estreita a passagem e como o rio pode inundar todo o vale se impedirem a sua passagem. A senhora aparecia sempre montada num burro e apenas com o seu olhar impedia a tragédia de acontecer.
- Há quanto tempo foi?
- No tempo da ocupação, quando os mouros viviam por todo este Portugal.
- Acreditas que aconteceu mesmo?
- Podes ver nas pedras, estão lá as marcas, atravessaram os séculos.
- Podem ser marcas de qualquer coisa, como sabes que são do burro da senhora?
- Porque só as marcas do milagre resistem assim ao tempo, as outras desaparecem.
- Sinto o mistério, mas não acredito nele, não era suposto ser assim, pois não?
- Tens o principal para chegar à fé, o coração aberto a um outro entendimento do mundo.
- Sim, mas nunca chegarei lá.
- Há também qualquer coisa em ti que não quer.

Descemos devagar o monte da Candosa, respirando o vento doce que vinha dos pinheiros, sempre que a tarde chegava ao fim. Não fora ter olhado para o seu andar, teria uma vez mais esquecido que ele usava agora batina. Teria esquecido todo o campo da impossibilidade que essas vestes colocavam entre nós. O lugar teria sido propício a um corpo num abraço junto do meu corpo. E o vento dos pinheiros, como era doce e quente.
~CC~

1 comentário:

Nenúfar Cor-de-Rosa disse...

Por sentir que diz imenso, destaco esta frase: "Tens o principal para chegar à fé, o coração aberto a um outro entendimento do mundo." Belo texto uma vez mais! Bjs.