quarta-feira, setembro 24, 2008

Praxes

Elas chegam todos os anos, pior que uma praga. Aqui não são bem vindas, os docentes não gostam delas e por isso demoraram a chegar, mas acabaram ano a ano por ganhar terreno. As salas ficam vazias e os corredores e os jardins enchem-se de berros, cantorias patetas e palavras de ordem que nada manifestam. Os estudantes mais velhos parecem corvos pesados a bater com as asas nos pintasilgos, dizendo que essa é a melhor maneira de os acolher no novo ninho, e cada vez são menos os que duvidam dessa intenção.

Eles dizem que as praxes não são violentas, por aqui têm fama de ser doces. Mas nos últimos dias já vi veteranos sentados no bar enquanto os caloiros os serviam como criados e muita gente jovem estranhamente de joelhos se arrastando pelo chão, julgo que há melhor modo de o lavar. Não há praxe sem violência, ela alimenta-se sempre do poder dos mais fortes sobre os mais fracos, tem no seu cerne a humilhação do outro.

Sobrevivemos medindo forças, contamos os que apareceram e as aulas que se deram. Comecei bem o dia, logo às 8h30 da manhã tive sala cheia. Avancei vitoriosa pelo dia dentro até ao início da tarde. Apareceram umas meninas pintadas e roucas que tive dificuldade em reconhecer, abri os olhos de espanto para dar nome à que vinha à frente do grupo para falar comigo: era de facto uma das minhas melhores alunas do ano passado. Vinham explicar-se, não me queriam deixar na sala à espera dos alunos porque acham isso feio e indelicado para com os professores, pelo menos percebem isso, já não é mau de todo. Atrás delas traziam um caloiro sorridente que não abriu a boca e contaram meia dúzia de histórias dos novos alunos. Lá lhes disse que já não era mau se terem conhecido uns aos outros, mas que me parecia que isso também era possível sem praxes. Mas estavam felizes, nem me ouviram, não queriam saber para nada das minhas reticências.

Há quem goste de empates, não é bem o meu caso, gostava mesmo que as praxes acabassem e gostava de hoje cantar vitória. No entanto sou contra a proibição como aqui e ali vai soando como uma necessidade, só queria que os estudantes percebessem que não precisam delas.
~CC~

1 comentário:

Mónica (em Campanhã) disse...

eu diria que é teoricamente possível uma praxe com sentido e sem violência nem humilhações, mas é muito difícil. acho que tive sorte poruqe no meu tempo e na minha faculdade era fácil passar entre as gotas dessa chuva e ficar só com a parte boa: um ritual fascinante e uma ordem para as coisas novas que se nos apresentavam.

hoje em dia não posso deixar de reprovar (como uma cota) as cenas deploráveis que vejo na rua e nos pátios das faculdades.