quarta-feira, julho 16, 2008

Mulheres livres (I)

Elas segredavam uma para a outra: já deve ter outro namorado. Questionei-as directamente: de quem falam vocês, é de mim? Que não, que não era. Resolvi brincar, sabendo a indignação que ia suscitar: então é de uma de vós?! Se tivesse pensado duas vezes não diria nada para não ter de ouvir o que se seguiu.

Elas eram duas mulheres bem casadas, que amavam os maridos e que esperavam ficar com eles para sempre. Tinham filhos lindos, encomendados a Deus menino e menina e Deus ouviu-as e brindou-as com um casal. Estas mulheres nem sequer eram afectadas ou especialmente religiosas, mulheres normais de classe média e profissão liberal, mas com o mundo do tamanho do seu quintal. A felicidade em família e a profissão conquistada, os trunfos apresentados, as grandes conquistas.

Está tudo certo mas há qualquer coisa que lhes falta em chama, em viagem, em experiência. São mulheres lisas, direitas, feitas à medida. E custa-lhes compreender as outras, mesmo não querendo, escapa-lhes aqui e ali um comentário de gozo, um olhar de soslaio, o traçar de uma fronteira entre elas e as outras. Elas são as mulheres casadas uma só vez, as da escolha certa, as do ideal do amor companheiro, elas não falharam. Elas não são as namoradas nem as amantes, elas são as mulheres, as esposas, as companheiras.

Por um momento oiço outra vez a minha filha a dizer "eu disse à professora que quem me tinha arranjado aqueles folhetos tinha sido o namorado da minha mãe, e a professora muito atrapalhada corrigiu: pois, um familiar".

É este ainda o mundo em que vivemos, um mundo em que as mães ainda não podem ou não devem ter namorados.
~CC~

9 comentários:

JOSÉ RIBEIRO MARTO disse...

EXCELENTE; IMPLACÀVEL, LUCÌDA REFLEXÂO ; A SI A MINHA VÈNIA ; DIGNA CRÒNICA :::::TOCA A REPETIR ; QUEM PASSAR E NADA DIZER , ENGOLIU EM SECO OU METEU A VIOLA NO SACO !!!!
CORDIALMENTE
JOSÈ RIBEIRO MARTO

clorinda disse...

Amiga CC, não devemos ligar a comentários e aproveitar tudo de bom que a vida nos oferece. Muita gente nem é feliz nem consegue imaginar os outros felizes, é o mundo que temos...
Abraço, clo

João Torres disse...

Lindo, como sempre...

De onde vem esse dom de me deixares sem palavras?!

Só escrevi mesmo por causa da provocação do José Marto!

Bjs
João

Cristina Gomes da Silva disse...

Parece-me que, por esta tua história, não passou a liberdade, nem a de quem comentou nem a de quem foi comentada. Estou de acordo com a Clorinda "não devemos ligar a comentários e aproveitar tudo de bom que a vida nos oferece."

Gregório Salvaterra disse...

Não podem? Não devem?
E depois há aquela história da raposa e das uvas... mas isso é bocadinho mau de pensar.

E linda é a história quando a filha do namorado da mãe e a filha da namorada do pai se tratam por "maninhas".
Viva o namoro!
Bj
*jj*

cs disse...

excelente post. e já agora essas mulheres são tão chatas, tão propriamente chatas e enfadonhas, é a minha sincera opinião. Adorei o adjectivo "lisas"

:))

CCF disse...

JRM, obrigado! :)

Clo,não te preocupes, eu não ligo ou pelo menos é o que procuro fazer :)

JVT, tu também me fazes o mesmo com as tuas fotos!

Cristina, o que importa destes comentários é o modo como eles traduzem o mundo que (ainda) temos. È por isso que os trago e porque a liberdade das mulheres é sim muito condicionada por estetipo de coisas.

JJS, "não podem e não devem" são coisas com as quais nos temos que confrontar, elas existem, há que estar preparados. Os adultos "não namoram", ainda mais se já estão nos ...por acaso nunca vi os meus pais a namorar, não se usava, era feio.

CS, "lisas", pois é...efectivamente saiu, mas é isso mesmo.

Abraços seis.
~CC~

Anónimo disse...

Gostei de ler este texto... (hoje estive na ESE).

Engraçado que com os meus alunos tento abordar todos os temas das suas vidas com a maior das naturalidades, mesmo que isso me fragilize, não o deixo transparecer.
Por vezes surgem pormenores da vida familiar (da violência entre os pais, das ausências, dos gritos, do dinheiro que se tira da carteira sem dizer, da falta de afecto, etc..), eles falam e eu quero ouvi-los.
Aproveito para lançar mais ideias, tentando criar momentos de reflexão.

Na sala além de professores, somos pessoas, não deixo de ser a Madalena, mas sou a professora Madalena, mesmo que assim não me chamem. O que quero dizer é que não me demito das minhas ideias, dos meus valores, mas tenho consciência de que estou a educar para a cidadania, uma cidadania actual. Que respeita.

Este é o mundo em que as mães têm namorados.

:)com amizade,
Madalena.

blue disse...

um mundo em desaparecimento, felizmente. basta pensar em como era há 20 anos atrás...