Mana, estive lá, no lugar onde os olhos das pessoas são os mais tristes de que tenho memória, talvez porque nunca tenha entrado num campo de concentração, talvez porque mesmo os olhos mais pobres que vi em África não eram assim. Não consigo lá ir sem me lembrar. É sobretudo o cheiro, aquele cheiro do azedo químico, parecido com o de enxofre que se sente em algumas termas, mas diferente porque este parece emanar da pele das pessoas. Depois de algum tempo falaste abertamente desse cheiro. O que é espantoso é que não me recordo das lojas, dos cafés em volta, da loja das flores, nem do café ao ar livre dentro do próprio hospital, não vi tudo o que agora vejo. Habitava em nós um sonambulismo, um vazio, uma tristeza que procurávamos a todo o custo afastar. E conseguiste mana, e conseguimos.
Jurei que voltaria lá como voluntária, ciente de que o meu saber poderia talvez ajudar alguma coisa. Temos estas crenças de devolver o bem a quem nos faz bem. Mas não voltei e hoje penso mesmo que nem seria muito necessária, aquele hospital está cheio de voluntários. Mas desde o primeiro ano do curso que uma aluna dizia que queria lá fazer o seu estágio de animadora sociocultural. Se podemos, devemos estimular que possam ir atrás dos sonhos. E assim foi, ela e outra estão desde Janeiro na Pediatria do IPO-Lisboa.
Estive lá na festa das crianças, num auditório que nunca tinha visto. As animadoras organizaram actividades em todos os lugares em que havia crianças e jovens, fiquei a conhecer todos. A projecção dos medos e dos sentimentos era a matéria prima do trabalho que procurámos fazer através do jogo e da brincadeira. Um jovem de 14 anos nunca quis fazer nenhuma das coisas propostas, mas um dia aceitou a pequena tela e o pincel que elas ofereceram. E pintou um fundo negro com um bonequinho amarelo no meio como se fosse um semáforo e escreveu tristeza igualmente com letras amarelas. Vi a tela dele na exposição e a sua fotografia. Então pensei que talvez o bonequinho se pudesse tornar verde e libertar-se do fundo negro que o oprimia. Mana, pensei que podia fazer como tu fizeste.
~CC~
5 comentários:
CC, apenas duas ou três palavras de comoção... bem haja, pela partilha desse seu gritante desabafo. Angústia
mas também Esperança. Oxalá, os seus desejos, que são também os meus, se possam concretizar. Porque eles, a isso têm direito.
Abraço
Clo
É só para dizer que eu li...
Madalena.
vermelho vermelho de incandescente.
como a esta escrita.
beijooooooooooooooo!
Que belo! ALma boa a tua, beijo e bom fim de semana.
Foi bom partilhar isto, beijos quatro.
~CC~
Madalena, não estou a receber os seus mails, escreva-me para cibelefster@gmail.com para saber se há encontro do PRI.
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