terça-feira, junho 24, 2008

Prisão

Há imagens que perduram nos dias como alguém a gritar dentro de um pesadelo, mesmo quando acordamos parece que a aflição permanece.

Ela era uma mulher grande de um loiro que não consigo adivinhar se natural. Jovem ainda, nunca para mais de trinta anos, toda ela uma torre de marfim, um cofre forte, um lugar longe.
Levava uma criança de três anos com ela, loirinha também, mas pequenina e com um rosto bonito, quase alegre. A mãe trazia-a presa por uma trela, em vez da tradicional mão. Quando a criança se afastava dela para ver uma montra, ela não a seguia, nem lhe dizia nada, dava um puxão na trela que entrentando se tinha soltado mais pela pressão da criança. E assim foram andando corredor de centro comercial fora, perante a admiração de quem passava. Havia um silêncio onde me parecia ler reprovação, mas muda. Eu segui-a com os olhos muito tempo, tanto que confirmei como o comportamento da criança era igual a de um bicho preso, farejando uma coisa interessante, parando junto de alguém, para logo ser puxada para seguir caminho.

Ainda pensei em dizer alguma coisa mas não consegui encontrar as palavras certas, as que pudessem interrogar sem ofender a mãe-dona. Ou talvez ela precisasse de ser ofendida, mas dificilmente eu o conseguiria fazer. A imagem, essa não a consigo esquecer.
~CC~

3 comentários:

Cristina Gomes da Silva disse...

Quando eu tinha 6 ou 7 anos, havia uma mãe espanhola que ia ao mercado, aos sábados de manhã, com o seu filho preso dessa mesmíssima maneira (há mais ou menos 40 anos, portanto). Estranhava toda a gente aquele hábito da "espanhola", mas ela ia dizendo que se não fosse assim já há muito teria perdido o filho no meio da multidão. Uma vez perdi-me da miha mãe e quase desejei que ela me tivesse posto uma trela. Também nunca me esqueci da imagem e foi com esta "espanhola" que aprendi a minha primeira palavra em castelhano ao ouvi-la pedir à vendedora de legumes "1 quilo de zanaorias". Mas o que nos choca é o objecto visível porque de resto a quantas trelas andamos nós atrelados e não não é assim tão diferente a nossa condição animal a precisar de adestramento.

Mar Arável disse...

Há dias em que não nos apetece

salvar o mundo

só ajudar

isabel mendes ferreira disse...

o
Mar Arável disse lapidarmente.


dias.



de te ler. para ressalvar a generosidade.