quinta-feira, janeiro 10, 2008

O tempo

Anos, passaram anos, não os contei. Há um manto de tristeza que o cobre. É um pó tão fino que quase não se dá por ele. E no seu sorriso há uns olhos que não brilham. Uma vida normal a dele, a lenta anscensão na carreira, o estender da família como a rede onde se enfia o corpo, a ausência de rupturas afectivas. E a tristeza, de onde vem ela? No tempo da nossa amizade era sempre Verão, eu sei. E eram vinte os nossos anos, havia um rio, um cerejal, uma serra. Ele era o melhor a construir tendas e cabanas e a tecer com redes os edifícios de cena onde brincavámos com os míudos a fazer teatro. Agora encontro-o envolvido nas luzes baças de um centro comercial e sei que onde trabalha a luz é ainda mais escura.


Acho então que é por ser Inverno que está triste, é a chuva que o alaga e o ensopa, já não é o pó mas é o frio do seu casaco molhado. Mas depois reparo que está seco, que nenhuma pinga lhe escorre da pele. Os olhos não choram, os olhos não riem. Reconheço, contudo, no modo como fala baixinho e no tom de voz doce o mesmo rapaz que tinha sonhos grandes, ainda maiores que os meus. Preciso de saber o que o traz triste. E ao mesmo tempo acho que é melhor não saber, é melhor deixá-lo arrumado no tempo das cerejas, no tempo em que o seu riso brilhava.

~CC~

6 comentários:

Anónimo disse...

É certamente melhor deixá-lo arrumado no tempo das cerejas...até porque certamente ele "arrumou-se" acomodado no seu dia-a-dia!
Carla

Anónimo disse...

Só tu para escreveres coisas destas! Só tu para sentires coisas destas! Só tu para veres água em casacos secos!

Não sei se foi a infância Almar ou a escola de Lisboa mas em algum momento alguma coisa te tornou especial e... ainda bem!

Gosto de saber que tanta sensibilidade cabe no corpo de pessoas que tenho a sorte de conhecer. Se os blogues servem para isto... Vivam os blogues!

CCF disse...

Carla, tens razão claro, mas à vezes penso ligar-lhe, agora que o número dança no meu TM para lhe perguntar: rapaz, vamos lá ver onde está o sol que tinhas dentro!

Anónimo que me conheces, obrigada pelas tuas palavras boas que parecem vindas da melhor escola do mundo, exactamente por não ser uma escola.
~CC~

A OUTRA disse...

Não, não o deixe sozinho.
Pergunte-lhe o que tem, não se esqueça que, muitas vezes basta uma palavra para fazer sorrir novamente, uma palmadinha nas costas, com interesse pela pessoa dele.
Hoje esse é o mal de muita gente, quando os que foram amigos se desinteressaram de o fazer sorrir.
È sempre necessário que na tristeza apareça uma mão amiga.
Fale com ele por favor.
Maria

Anónimo disse...

Ia dizer exactamente o mesmo que a Maria,exactamente, mesmo pedindo-te por favor, como o fez a Maria.

Sei que é difícil, que poderá até "armar-se em duro", mas com a tua sensibilidade serás capaz de lhe chegar ao coração.

CCF disse...

Se me dizem "por favor" fico comovida e depois...
Beijinhos
~CC~