quarta-feira, janeiro 30, 2008

As terças e as tangerinas

Há coisas que não deviam ser e são. Uma delas é reconhecer a falta que alguma coisa nos faz sobretudo quando não a temos. Luto há muito contra esta inevitabilidade e com alguns êxitos, mas fracassos também.

Falo das tangerinas, falo do nosso almoço das Terças.

Todas as semanas há um dia em que te vou buscar à escola cedo, ainda com o dia pleno e a tarde toda por acontecer. Reservei esse tempo para te ver crescer entre os livros da escola, as séries televisivas, os pequenos intervalos de conversa, o único chá de que gostas. Às vezes trazes uma amiga ou vais com uma amiga e gosto de ver aparecer essa cumplicidade porque também a vivi intensamente e ela é ainda o abraço em que mergulho para o choro e para o riso.

Entre as reservas há o restaurante que serve um dos pratos que comes com gosto, esfomeada por uma manhã em que as actividades de prova física marcam o seu lugar. É um restaurante feio, incaracterístico e até um bocadinho piroso nas suas cortinas de cores, flores de plástico, pesadas toalhas vermelhas. Na verdade ele aconteceu-nos por um acaso que já não lembro. No entanto, é iluminado por uma senhora quase velha, de cara redonda e passos mansinhos que passeia entre as mesas para saber se está tudo bem e fazer uma festa em cada criança. Não nos sentimos clientes mas vizinhos ou primos, acolhidos como parte integrante da casa, tratados entre o carinho e o respeito.

E no final, já depois do café, ela aparece sempre para se despedir. Traz um ou dois sacos de papel cheios de tangerinas do quintal dela e uma mão cheia de rebuçados ou bolachinhas. As tangerinas são as mais minúsculas e do laranja mais claro que já vi e nunca as como, nem eu nem ninguém sensível à acidez. Nunca tive porém coragem de as recusar, seria como renegar a face para um beijo, fechar a mão quando uma outra se estende para ela.

E a falta, a falta que eu tenho sentido de ti, das terças, das tangerinas.
~CC~

1 comentário:

Carla disse...

como é bom sentir este teu ritmo de felicidade e descobrir a ternura num simples gestos.
Carla