segunda-feira, dezembro 17, 2007

A visita

Levo os meus olhos a passear até lá e sei que me vão doer. As laranjas deitadas sobre a terra dizem tudo sobre a impossibilidade das mãos as poderem apanhar. As pernas já não obedecem quando as querem levar a dançar, não obstante certa luz que lhes aparece nos olhos, a que chamam a luz antiga, a que se transporta através do tempo.

As muitas roupas umas sobre as outras impedem que se gaste em luz e em gaz e eles nem percebem os pedidos insistentes para que os aquecedores se liguem, mesmo quando a noite já chegou e a temperatura ronda os zero graus. Acham que as cozinhas estão sempre quentes porque os cozinhados são demorados e os jantares se devem arrastar mais e mais para que a casa não fique outra vez vazia. Acham que o não há melhor vinho que aquele que produz a adega da terra, nem melhores enchidos que os feitos em casa pela prima, nem melhor fruta que a que vem do quintal.

A casa é mais fria do que qualquer rua e não são só as paredes que a tornam assim, é também o modo como o calor se guarda com pudor, as palavras de afecto tardam a sair, é o modo como silêncio cai, o modo como os laços de sangue se parecem resumir à partilha do galo e ao gosto pelas couves com feijão.

Mas a tristeza mora apenas no olhar de quem olha, ao longe aquele aceno até outro Natal, tem lá dentro a alegria da visita, o agradecimento mudo de quem ficou menos só. Não se pode deixar de os visitar, não se pode.
~CC~

2 comentários:

Cristina Gomes da Silva disse...

Não acredito que "a tristeza mora apenas no olhar de quem olha". Esta tua descrição trouxe-me à memória a casa da minha avó. Assim, tal e qual, e olha que a vida dela, como a deles, era bem triste. Ainda hoje, quando me lembro do seu olhar, fico com um nó na garganta.

A OUTRA disse...

Nessas casas, ou almas frias, mais que em qualquer lugar faz falta um abraço apertado do Natal.
Bem haja quem os abrace!...