Levo os meus olhos a passear até lá e sei que me vão doer. As laranjas deitadas sobre a terra dizem tudo sobre a impossibilidade das mãos as poderem apanhar. As pernas já não obedecem quando as querem levar a dançar, não obstante certa luz que lhes aparece nos olhos, a que chamam a luz antiga, a que se transporta através do tempo.
As muitas roupas umas sobre as outras impedem que se gaste em luz e em gaz e eles nem percebem os pedidos insistentes para que os aquecedores se liguem, mesmo quando a noite já chegou e a temperatura ronda os zero graus. Acham que as cozinhas estão sempre quentes porque os cozinhados são demorados e os jantares se devem arrastar mais e mais para que a casa não fique outra vez vazia. Acham que o não há melhor vinho que aquele que produz a adega da terra, nem melhores enchidos que os feitos em casa pela prima, nem melhor fruta que a que vem do quintal.
A casa é mais fria do que qualquer rua e não são só as paredes que a tornam assim, é também o modo como o calor se guarda com pudor, as palavras de afecto tardam a sair, é o modo como silêncio cai, o modo como os laços de sangue se parecem resumir à partilha do galo e ao gosto pelas couves com feijão.
Mas a tristeza mora apenas no olhar de quem olha, ao longe aquele aceno até outro Natal, tem lá dentro a alegria da visita, o agradecimento mudo de quem ficou menos só. Não se pode deixar de os visitar, não se pode.
~CC~
2 comentários:
Não acredito que "a tristeza mora apenas no olhar de quem olha". Esta tua descrição trouxe-me à memória a casa da minha avó. Assim, tal e qual, e olha que a vida dela, como a deles, era bem triste. Ainda hoje, quando me lembro do seu olhar, fico com um nó na garganta.
Nessas casas, ou almas frias, mais que em qualquer lugar faz falta um abraço apertado do Natal.
Bem haja quem os abrace!...
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