terça-feira, novembro 02, 2010

Adeus

À memória do meu pai
(que partiu a 31 de Outubro, pela mão das bruxas, espero que bruxas belas e fantásticas)

Eram as letras
dentro dos livros
onde segui pelos teus dedos
até à a montanha mágica, olhai os lírios no campo
toda a colecção Dois mundos
da editora Brasil,
RTP
e o dicionário ilustrado
com todas as palavras desta língua

esta que tão pouco usaríamos para dizer
amor
deixada feita silêncio
tantos e tantos anos
nas bocas cosidas de distância
algum ressentimento

passar o sal, o piri-piri, o açúcar
deixar os olhos lamber as mulheres roliças
fumar muito
mostrar a arma e a farda
amarrotá-la
sonhar-se em religiões alternativas
e como mestre de todas as multidões perdidas

e acabar como todos
pobre, humilde, triste
infinitamente carente e de todos dependente
e ainda assim melhor
mais sereno, mais doce, mais próximo

senhora morte que se aproximava
direi que o meu pai é aquele
que num lugar qualquer lá longe
estará disposto a traçar o horóscopo
a qualquer mulher bonita
preferencialmente loira

sim, era nosso pai
não, não deixou bens nem dinheiro
tinha o IRS feito e era já muito
e o que deixou é ar
a circular dentro do sangue
do nosso
mas ar de qualidade muito boa
apesar dos pulmões falidos

se é que pai é o nome que lhe posso chamar
mas sim deu-me o meu nome
este nome que gosto de dizer por ser belo
e ser a coisa mais minha que tenho

e sim porque a memória
tem lá dentro um colo perdido
que me deu na infância
e outro colo
que fui eu
a dar-lhe agora.

E adeus era na boca dele
uma passagem entre as vidas passadas
e as vidas futuras
pelo que voltará em breve
para piscar o olho
às mulheres loiras, um pouco roliças.

~CC~

8 comentários:

deep disse...

As palavras nem sempre são conforto nestes momentos - as minhas sempre desajeitadas. Deixo-te, por isso, um abraço apertado e quentinho, apesar do frio que começa a fazer-se sentir neste mar de xisto. :)

Gregório Salvaterra disse...

Um nome que tanto gosto de dizer em abraços...
Afinal deixou imenso.
Beijo
*jj*

Leonor disse...

Apetece-me dizer "ele há coisas...", tão próxima que me senti de si, CC...

Anónimo disse...

tão verdadeiro este texto.
Neste momento as bruxas lindas estão a fazer-lhe um café :) faltou mencionar os cafés!

mana

JPN disse...

úm abraço forte

Margarida Belchior disse...

... mais um GRANDE ABRAÇO, entre laços que se tecem nos abraços das manas, dos amigos e amigas, ...

ABRAÇOS!!

sem-se-ver disse...

beijo grande

CCF disse...

Agradeço-vos palavras sol.
Aquele abraço
~CC~