domingo, junho 13, 2010

Somos nós

Primeiro foi o apartamento, porque comprar seria sempre melhor do que arrendar. E sempre o deixavam aos filhos. Não pensaram que os filhos seriam adultos antes que eles se libertassem dessa casa, muito menos que os filhos não quereriam esse T2 suburbano. Não pensaram que deveriam toda a vida, anos e anos de hipoteca ao banco, muito provavelmente até ao fim da vida, isto se a doença não visse obrigá-los a uma dor e a um sufoco não previstos.

E quando a filha pediu ajuda para a compra do estúdio mais central, bem perto da faculdade, ainda se dispuseram a mais essa ajuda, não só foram fiadores como se comprometeram com uma mesada mais alta. O resto seria ela a pagar com o que ganhava ao fim de semana no Call Center. O mais novo só falava em ir para o estrangeiro, porque estava farto de um país que não prestava. E não pensava propriamente na apanha do tomate nem em servir às mesas, mas sim em programas tipo Erasmus, a sua estadia não seria integralmente coberta pelo programa, e a mesada teria que ser aumentada, tudo em prol de não gorar as expectativas do rapaz.

Sabiam que os seus ordenados não esticariam até cobrir todas as novas despesas, mas achavam-se capazes de milagres. E nunca diziam não, presos da crença de que tudo seria possível. Os empregos pareciam estavéis, nenhum deles estava doente, os miúdos queriam ir longe. Eram mais que legítimas as suas expectativas num mundo em que ter expectativas era o contrário de ser nada, ser ninguém.

~CC~
(continua)

2 comentários:

R. disse...

Paradigmático, sem dúvida. Veremos o que reservam os "próximos capítulos" :)

via disse...

espero que essa história tenha um final feliz porque o princípio é tão real e comovente que só pode acabar bem.