quarta-feira, junho 02, 2010

Identidade flor

A reunião importante em Lisboa, quantas vezes subi a rua, o elevador, não sei se parei sempre no mesmo andar. Houve outros anos, outras reuniões, outras pessoas em cargos importantes. Talvez tudo tenha mudado, eu não. Talvez não seja bem assim, talvez antes eu não tivesse tanta consciência da importância das coisas, ou da sua falta de importância.

E agora sei, sei da importância do tapete lilás das flores dos jacarandás que cobre os passeios da Avenida, do modo como me comove e entorpece o seu cheiro suave e adocicado. Agora não me lembro bem da agenda, nem se é importante o que vou fazer, é dúvida que me assalta, onde antes havia convicção. Agora situo-me no mundo como estas flores, da mesma matéria que elas. Agora entendo o silêncio como uma linguagem sem palavras que eu não sei decifrar e esforço-me por aprender a língua das pétalas, a da pele.

Uma e outra vez apresento o cartão do cidadão (oh, sim, isto mudou) para que me possam prender se enlouquecer no edifício. A identidade, digo eu, não podem deixá-la de fora, tenho de a colocar dentro desta grelha que construímos, sem o seu suor não há construções verdadeiras. Mas ela não cabe, eu não caibo. Mas já não me importo verdadeiramente.

Só a seiva faz bater o coração, mesmo quando ela não é mais do que um leve e indeciso tremor que corta os dias. Só a pele na pele é dia.
~CC~

7 comentários:

Margarida Belchior disse...

Liiiiindo!!
:-)

Há dias que andava para escrever sobre este "desfile", depois de ler o post, não resisti mais ... :-)

http://abeirario.blogspot.com/2010/06/desfile-de-moda.html

:-)

Bjs mil

Alberto Oliveira disse...

... "... onde antes havia convicção.".

Sem dúvida, um belo "poema florido" à identidade pessoal. Sem ou com cartão de cidadão. Que cidadão ninguém deixa de o ser...

via disse...

é uma belíssima conjugação da mudança, da mudança de perspectiva, onde havia fazeres agora, subitamente há seres. que haverá em seguida?

Mar Arável disse...

Tudo mais claro

quando nos identificamos

pelo cheiro da pele

CCF disse...

São tão bonitos os vossos comentários, é como se cada um deles continuasse o texto...

"onde havia afazeres agora há seres..."

é mesmo isso!

como continua?

(vou descobrindo)

Abraços quatro
~CC~

sem-se-ver disse...

«Só a pele na pele é dia.»

lindíssimo.

via disse...

pequena observação: Faseres não são afazeres, não é a mesma coisa, não tem a mesma carga, se a palavra é inventada que seja, coloco-lhe aspas e assim fica. obrigada.