sexta-feira, maio 28, 2010

Conto infantil

Pemba, Moçambique, 2007


Ia à procura da concha lilás, só a vira uma vez na praia, mas teimara em fugir debaixo dos pés, a onda tinha sido mais forte. Mesmo dentro de água tinha retido o brilho da sua cor. Não há conchas lilazes, repetiu para si uma e outra vez. A praia nunca existiu. Eu não estou à procura de uma concha. Eu nunca apanho conchas na praia.

E nas noites de insónia aparecia a concha, tinha deixado o mar e tinha-se tornado um passarinho, cantava com canto lilás. Espera por mim, vou voar contigo. Mas ele ria-se dela e das suas asas cortadas. Espera por mim, quero ir contigo. Mas ele não esperava, não tinha esperado. Vou agarrá-lo, dar-lhe migalhas, e quando ele as vier comer, vou prendê-lo a mim.

E então viu com clareza a estrela do mar laranja, absolutamente linda, nadando e ondulando a 10 cm dela em pleno azul, aquele azul transparente da praia de Pemba. Um simples movimento de mão e teria apanhado uma estrela do mar, uma linda estrela do mar laranja. E ficou a vê-la afastar-se, incapaz de lhe tirar a vida para a guardar depois seca e morta num apartamento do ocidente.

O seu destino não era ter. As conchas na areia, o pássaro no céu, a estrela no mar. Para ela ficava apenas o brilho, o brilho retido e apertado, um estremecer laranja-lilás bem misturado no seu sangue circulante.

~CC~

3 comentários:

R. disse...

Ou talvez "o seu destino" seja possuir todas essas coisas no plano intangível e poder orgulhar-se de as ter preservado, assim, para melhor as contar.

CCF disse...

R, visto assim de duas maneiras: que nem tudo o que amamos podemos possuir mas podemos guardar como memória; que devemos deixar grande parte das coisas na natureza à qual pertencem.
Obrigado pelas visitas e comentários desafiantes.
~CC~

R. disse...

Os estímulos que aqui encontramos, esses, sim, são desafiantes. Obrigada pela partilha :)