domingo, maio 16, 2010

Bolas de sabão

Poderia escrever dois ou três volumes com a sua vida. Se eu escrevesse livros. Se ele não fosse o meu pai. Oiço-o agora que a morte o espreita, e é como se olhasse ao espelho os nove anos da minha infância que passei com ele. Não são nove anos, é um tempo de terra vermelha para sempre na pele, é não poder esquecer. Todas as coisas que nunca esqueci mas estavam cobertas pelas lágrimas secas e pela poeira parecem estar ali, tão vivas, tão inteiras, tão dolorosas, tão luminosas.

Saltam de repente as duzentas galinhas que viveram um tempo no quintal e a banheira cheia dos seus ovos, vem o homem do carro branco para me levar de novo e me aprisionar, e até a doçura das bolas de sabão sopradas nos pequenos troncos de mamoeiro me parece estar ali, ao dobrar da esquina. Ele conta histórias, ele conta muitas histórias, são assim as pessoas que se tornam velhas e estão doentes, as pessoas que sabem que vão viver pouco tempo. E apetece mergulhar nelas, saber se tive mesmo infância, se aconteceu. Não sei se é apenas uma maneira de me encontrar ou apenas mais uma para me perder.
~CC~

3 comentários:

Margarida Belchior disse...

Depois do que li aqui:

http://abeirario.blogspot.com/2010/05/toca-e-foge.html


Bjs grds para ti ... :-)

sem-se-ver disse...

um abraço (em silêncio)

via disse...

também eu tenho umas imensas saudades do meu pai.imensas.incomensuráveis.bjo
(obrigada pelo retrato feito uns posts antes,é engraçado saber como nos vêem)