As mulheres que na Rússia se fizeram explodir anulando a sua vida levaram com elas as vidas de outros, ainda mais inocentes do que elas, outros em cujo sangue não haveria vestígio de nenhuma responsabilidade sobre a raiva que corria no sangue delas (se é que era assim). Nenhuma racionalidade nesse acto, toda a loucura lá dentro.
Os nazarenos caminham de cabeça tapada, deixando ver apenas os olhos, muitos deles caminham de pés descalços no pó e na pedra, ao longo de muitas e muitas horas marcham pelas ruas da cidade de Sevilha levando o andor da sua confraria. As suas vestes são limpas, despidas de adornos, secas, assustadoras. E não obstante o seu figurino os assemelhar mais a monstros do que a anjos, as crianças aproximam-se deles com as suas maozinhas pequeninas erguidas para que lhes deitem caramelos. Atrás, adiante, ao lado, estão muitas mulheres, grande parte jovens, enfeitadas como para um casamento. Levam nestas horas longas de procissão os seus saltos mais altos, os seus vestidos mais explosivos, as suas saias mais curtas. Levam os seus brincos mais compridos e mais brilhantes, o seu baton mais vermelho, o risco de contorno mais negro. Entre elas e os nazarenos parece não haver qualquer possibilidade racional de ligação. Mas vendo bem, o sofrimento dos pés descalços talvez seja semelhante ao dos pés enfiados em tão grandes saltos, e posso imaginá-los ao final da noite com os dedos massacrados pela dor. Esta racionalidade é toda ela feita de irracionalidade, é toda ela deriva de um delírio colectivo e partilhado.
E ela diz que ainda espera por ele, que nem tanto tempo de silêncio anulou completamente o que um dia sentiu. E a outra mulher responde-lhe que lhe parece a personagem de um romance, um romance que só poderia ser de um autor da América Latina, pois só eles combinam tango com formigas assassinas e casas com espirítos. E diz-lhe que não há racionalidade nenhuma nessa espera, que não devia esperar. E o rosto da mulher que espera tem um sorriso estranho de quem já não está neste mundo, de quem irá abraçar o seu amado quando ambos forem pó de estrelas. Nenhuma racionalidade na sua espera, a não ser a da luz líquida que alimenta certas almas encantadas pelo amor mais derradeiro.
~CC~
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