Coimbra de Matos, o grande e velho Psicanalista que fala como se não nos visse à sua frente, explicava, na sessão de homenagem a um professor já falecido e em tudo diferente dos outros, que a líbido do poder é a pior das quatro, uma das que se extasia com a ascêndencia sobre os outros, um desejo de plantar desertos em vez de flores. É verdade, em si mesmo, o poder pode ser um veneno, tornar alguém um veneno.
E, no entanto, houve Nelson Mandela e há Obama. E não só, há homens e mulheres bons que chegaram ao poder. Nestas eleições autárquicas recebi pela primeira vez não um mas vários e.mail de pessoas próximas, quase amigos, que concorriam a freguesias e assembleias muncipais. Partilhei com algumas delas saborosos momentos de trabalho, sem perceber ou poder antecipar esses seus designíos políticos. Mas é verdade que eram cidadãos empenhados e muito participativos nos seus locais de trabalho, havia neles uma ânsia de fazer coisas, de transformação. Reconheço que esses seus traços eram mais do que a líbido do poder.
Há anos que trabalho com as autarquias em pequenas actividades ou em projectos de maior dimensão, pude constatar o melhor e o pior. Mas se há coisa em que acredito é nesta Democracia de maior proximidade, em podermos chegar à fala com os políticos que são responsáveis pela luz e pela recolha de lixo da nossa rua. Pela primeira vez em muitos anos marquei nos meus três boletins de voto diferentes escolhas, escolhas que não são partidárias. Conheço as pessoas que estão a concorrer, não são para mim imagens ofuscadas pelos partidos pelos quais concorrem, não são pessoas que nunca ouvi dizer nada na AR. Não quer isso dizer que esteja certa face às opções feitas, mas julgo-as melhor do que julgo deputados que estavam a concorrer às legislativas pela terra em que votamos, sem ter com ela nem com os eleitores nenhuma relação.
É verdade que temos Isaltinos e mais meia dúzia de corruptos, é verdade que a proximidade pode ser um pau de dois bicos e abafar em vez de libertar. Mas creio que toda a mudança deveria começar por aqui, por quem podemos condenar por ter feito na nossa cidade parqueamentos pagos em vez de jardins ou por ter optado por deixar cair os velhos edifícios em vez de os recuperar, por quem podemos aplaudir por ter abertos casas luminosas onde guardar e divulgar os livros e ter salvo teatros e cinemas cheios de histórias. A Democracia, a reiventar-se, e como precisa de se reinventar, deveria ser por aqui.
~CC~
1 comentário:
subscrevo por inteiro.
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