domingo, outubro 18, 2009

Malha apertada

As imagens das pessoas à porta da fábrica, muitas vezes em silêncio, muitas vezes sem nada para dizer além dos olhos que têm para mostrar. São ainda elas, são ainda as outras, não é ainda o nosso inferno.

Mas um dia chega alguém muito próximo que nos diz que foi despedido. Há meses que conhecíamos o braço de ferro que vivia, o desalento pelo ruir de uma empresa, parte da culpa deposta numa gestão à deriva, as suas propostas todas deitadas por terra, denegridas. Depois chega outra, tão ou mais próxima que a primeira. Não aguentou a pressão diária, feita de manobras de terrorismo de escritório, muitas exaltações e gritos. Esta veio pelo seu pé em direcção a coisa nenhuma, sem direito à fila de espera no centro de emprego mais próximo de casa. No primeiro caso foram dez anos de uma vida, no segundo sete. Ninguém quererá saber, nem serão notícia.

Quando os comparo com os trabalhadores imigrantes que no Alentejo fazem agora as sementeiras por 450 euros, vivendo em casebres durante 7 dias da semana, e apenas com um de descanso, parece pequeno o seu sofrimento. Mas as quedas bruscas que geram uma nova pobreza tapada de vergonha são de uma tristeza imensa, e só com muita coragem se conseguem quebrar.

E não queremos muitas vezes ver, até que chega perto da nossa porta, e depois já lá dentro, e depois connosco. Vemos quando o inferno está próximo. É preciso então, não só a coragem dos que sofrem, mas a malha apertada dos que estão perto.

~CC~

Nota: Uma vez, estando prestes a perder o meu trabalho (já que emprego é coisa que não tenho), os meus amigos telefonavam a dizer, sempre em tom de brincadeira, o que aliviava bastante, que já estavam a fazer a rotação semanal das sopas.

4 comentários:

deep disse...

Vivi, de perto, na adolescência e já a entrar na idade adulta, duas situações de desemprego na mesma pessoa, que já passara a barreira dos 45. Volvidos todos estes anos, não esqueço a angústia que também foi minha. Talvez por este motivo, não consigo ficar alheia à situação de necessidade em que vivem muitas pessoas para quem os rendimentos e a ostentação de outras são uma ofensa.

Um abraço aqui do Norte. :)

blue disse...

conheço bem, por vivência muito muito próxima, o que é viver sem saber quando se voltará a ter trabalho.
para onde caminhamos, nestes dias?

CCF disse...

São dias complicados Blue, quer para os mais novos que começam, quer para aqueles que o sistema dispensou já depois dos 40. O que sobra? Uma luta diária pela esperança. Uma luta diária por outro modo de ser mundo.

Deep, adivinhei essas coisas quando te conheci, não perguntes como. Há coisas que sabemos dos outros pelo olhar, modo de falar e de estar.

Abraço às duas
~CC~

ecila disse...

Sao muito tristes as historias que se ouvem em Portugal, e mesmo assim as pessoas sao tao valentes. Espero que tudo melhore, muito sinceramente.