quarta-feira, maio 06, 2009

Outras ondas

Já resta pouco da Costa da Caparica antiga, esse mar dos pobres que às portas das margem sul ou nos arredores de Lisboa, não tinham outras ondas que não aquelas do paredão cinzento e inóspito. Nunca fui frequentadora, embora tenha sido lá que encontrei um grande amor. Nesse tempo em que era jovem e amava mais a filosofia que a vida, não gostava por aí além de me despir e entrar pelo mar dentro, preferia enfrentar a brisa da tarde com um xaile preto sobre os ombros e infinitas viagens a passar por dentro de mim.

A costa está a mudar e não sei se é para melhor, porque está esteticamente tão melhor quanto está mais longe de servir o povo que lá vive. A costa é um lugar de pescadores, prostitutas, reformados pobres e muita droga, uma mistura explosiva de um grande mal estar, que apenas o sol sustenta em equilibrio precário. E há ainda um mar revolto e branco, capaz de tudo lavar por dentro.

Ontem apeteceu-me vestir também um fato de surfista, não para me equilibrar na prancha mas para ver os miúdos mais de perto. O surf, pelo preço dos fatos e das pranchas, é um desporto que sempre se aproximou das elites, não é também, ao contrário do que se pensa, fácil de dominar sem umas aulitas de iniciação. Os miúdos da Costa conhecem os surfistas como ninguém, mas a maior parte deles só os conhece a eles e ao desporto de longe, como acontecerá agora com os belos cafés de riscas de madeira que nasceram ao longo do paredão renovado.

Ver como eles cresciam e se tornavam diferentes à medida que vestiam os fatos e entravam com as pranchas mar dentro, é quase como ver os miúdos de rua a entrar um dia universidade dentro. Eles não esqueceram e eu também não, é que na vida destes miúdos são as pequenas luzes que os podem tirar do escuro ou como quem diz, é apenas apanhar uma boa onda. Uma onda boa que os possa levar para longe de tanta miséria. Falo-vos de um pequenos projecto é certo, mas não sei se poderemos esperar mais dos grandes.

~CC~

2 comentários:

Anónimo disse...

Sou sensível às suas palavras, não poderia ser de outra maneira... (nem sei que mais escrever...)

Madalena.

CCF disse...

Eu sei Madalena, eu sei...abraço apertadinho.
~CC~