terça-feira, abril 14, 2009

Contrastes

Como pode a crise existir se o Alentejo se cobriu de estevas e elas me entraram olhos dentro, tornando-os amarelos e brancos e suavemente perfumados.


Como pode a crise existir se hoje choveu tanto e a minha rua se cobriu de uma nuvem de gafanhotos pequeninos que pulavam por todo o lado espantados pela sua existência longe da terra natal.


Como pode a crise existir se ainda tenho as pernas a doer dos passeios de bicicleta em busca dos flamingos e as mãos a arder das flores das malvas que trouxe penduradas no volante.


Como pode a crise existir se nasceste do tamanho de uma mão e parecias à morte destinado e ensaias agora no quintal os primeiros passos e palavras e adormeces a sorrir.


Como pode a crise existir se o último folar algarvio que provei era realmente o verdadeiro, tão genuíno quanto as mãos do meu avô que todas as Páscoas fazia do mar uma vila de ameijoas.


Como pode a crise existir se ainda tenho tanto para fazer e preciso de ter esperança para me levantar todos os dias.


Oiço no rádio que o país está à beira da falência e vejo afinal que o meu carro está cheio de desempregados da Quimonda e fecho os olhos para que as estevas possam voltar, mas não se passa nada. Oiço-o ainda a desfiar o orçamento negro da escola, muito mais de metade gasto em pessoal. Sempre que alguém fala em gastos com o pessoal, sabemos que o mais natural é que o céu se torne cinzento. E penso que se este abismo nos absorve, nada mais nos restará.


Mas esta praga de gafanhotos pequeninos de onde veio? Tecnicamente seria impossível esta viagem, e é nisso que me concentro. Concentro-me nesta possibilidade de vir alguma luz deste lugar tão escuro onde andamos.


~CC~

4 comentários:

sem-se-ver disse...

e não fora esse poder a própria luz desapareceria

Mar Arável disse...

Talvez Abril a florir

no mês de MAIO

a resistir

simplesmente

a resistir

Graça B. disse...

É verdade. Há tanta coisa boa e bela para além dela (a crise). Por um lado é impossível não dar por ela, por outro não parece que exista quando esses elementos, movimentos, comoções e verdadeiros milagres da fantástica Natureza nos entram pelos olhos. Só temos que os manter bem despertos e escancarados.
Gostei muito destes contrastes.

blue disse...

todos os dias todos os desempregados nas nossas casas, nos nossos carros, nos cafés que frequentamos.