Ela veio à entrevista como combinado. Confrontei-a com o papel que me tinha enviado, alegando não lhe encontrar qualquer sentido. Os olhos da Vanessa não tinham cor, eram pardos, na verdade quase da cor do cabelo mas sem luz. Por isso quando ela nos fitava, não conseguiamos ler nada no seu olhar, apenas a expressão das sobrancelhas denunciava alguma coisa. E ela franziu-as, o que lhe deu um aspecto zangado. Repetiu o que já me tinha dito, que eu tinha que conhecer as suas outras relações amorosas para compreender esta actual e sublinhou que amorosas era ainda assim um termo incorrecto para referir a maior parte das relações entre um homem e uma mulher. Como eu não a queria ouvir, escreveu. Perguntei se também ia escrever sobre os outros 8, descontando este primeiro e o actual. E ela respondeu que preferia falar para o gravador, se eu quisesse ouvir. Tentei explicar-lhe a diferença entre querer e poder dentro da profissão que era a minha e no contexto em que trabalhava. Escutou tudo com muita atenção. E respondeu apenas com uma voz espantoamente firme: querer é poder!
A Vanessa confrontava-me com o que era frágil em mim, eu vivia imerso nas dúvidas sobre a qualidade do trabalho que fazia e sentia ano após ano afastar-me da minha juventude e de todos os sonhos que a havitavam. Eu não sabia inteiramente justificar a mim próprio a opção por este quadro de alguma estabilidade e bem estar económico, pois na minha vida não havia a desculpa da família ou sequer a necessidade de descolar de uma classe social, eu era filho da classe média e era um homem só e sem dor. Eu podia ter ido para qualquer lugar do mundo com uma mochila às costas que apenas dois ou três amigos sentiriam as noites mais vazias. E estava aqui, a dizer a uma mulher que precisava de falar de si, que tinha apenas meia hora para ela. Eu via-me ao espelhos nos olhos pardos da Vanessa e só via sombra.
~CC~
2 comentários:
É tão bom "ouvir" estas tuas histórias contadas aos bocadinhos...
Bjs
JvT
Sem os outros não há espelho
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